Jerry Lewis no Festival de Cannes em 2013: ator foi tão divertido na tela quanto intolerante na vida real
Jerry Lewis no Festival de Cannes em 2013: ator foi tão divertido na tela quanto intolerante na vida real | Foto: Anne-Christine Poujoulat/ AFP



Quarenta anos (e dois dias) depois da morte de Groucho Marx, o cômico estadunidense Jerry Lewis morreu aos 91 anos. A coincidência entre o aniversário de um e a morte do outro oferece a tentação de tentar explicar um ator por oposição ao outro. Como tantas vezes, os contrários se explicam mutuamente. Groucho, já se disse tantas vezes, baseava todo seu êxito no humor escrito, no engenho e na agilidade mental. Lewis, ao contrário, navegava na herança dos cômicos palhaços da geração anterior. Suas gags se baseavam em sua expressão corporal, no velho instinto de imitação e na tradição dos bobos como personagens de comédia. A linhagem remonta a Chaplin, Lloyd, Keaton, Laurel, Tati. Herdeiros? Quase ninguém, talvez o Jim Carrey dos anos 1990, aquele de antes de "Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças".
Um dos grandes comediantes do século 20, Lewis cresceu no ambiente do show business por conta de pais artistas. Nos anos 1940, fez dupla cômica famosa e duradoura com o cantor Dean Martin, com quem trabalhou em 16 filmes. Mas quando a química da parceria chegou ao fim, teve que se reinventar depois da ruptura traumática. À maneira de Chaplin, não como a mesma genialidade, claro, Jerry Lewis passou a escrever, dirigir e interpretar muitos de seus filmes seguintes, sempre com olho clínico para os aspectos mais técnicos do cinema. Seu grande mestre foi o diretor Frank Tashlin, um dos grandes gênios da piada visual.

Jerry Lewis em ‘O Professor Aloprado’ (1963), um dos seus filmes mais famosos, baseado em ‘O Médico e o Monstro’
Jerry Lewis em ‘O Professor Aloprado’ (1963), um dos seus filmes mais famosos, baseado em ‘O Médico e o Monstro’ | Foto: Fotos: Reprodução



É desta época (1963) seu filme mais inventivo (e popular), "O Professor Aloprado", versão muito livre e original do clássico da literatura e cinema "O Médico e o Monstro", mas Lewis fez outros muito bons, como "O Terror das Mulheres", "O Bagunceiro Arrumadinho" e "O Mensageiro Trapalhão". Sobre ele, Martin Scorsese disse em 2013: "Continuo vendo os filmes que Jerry fez ao longo dos anos. Seu aspecto visionário, sua mise en scène, a clareza de seus planos, a composição, o ritmo e os personagens na tela são inesquecíveis".
Foi Scorsese que o tirou do ostracismo em "O Rei da Comédia", filme em que o ator interpretou muito a si mesmo, recebendo principalmente o reconhecimento da crítica europeia – que sempre o recebeu com mais generosidade do que a americana.

Em ‘O Bagunceiro Arrumadinho’  (1964) ele interpretou um enfermeiro que adquire os males dos pacientes
Em ‘O Bagunceiro Arrumadinho’ (1964) ele interpretou um enfermeiro que adquire os males dos pacientes



Lewis foi tão divertido na tela quanto impaciente, intolerante, mau humorado e grosseiro no trato diário, embora fosse notável sua atuação filantrópica, especialmente no suporte financeiro na luta a favor dos portadores de distrofia muscular. Sua saúde não lhe deu vida fácil: câncer de próstata, severa cirurgia cardíaca e dores crônicas na espinha dorsal, que provocaram sua adição a analgésicos à base de ópio. Severa punição para suas manifestações homofóbicas e racistas. Republicano notório, apoiou e saudou efusivamente a vitória de Trump.
Deixou inacabado um filme maldito, de 1972: "O Dia em que o Palhaço Chorou", sobre crianças judias num campo de concentração na 2ª Guerra Mundial.