Depois de acumular uma quantidade X de dinheiro, as crianças vão às compras numa lojinha realizada dentro da escola em que podem adquirir diversos produtos, que vão de material escolar a pedagógico
Depois de acumular uma quantidade X de dinheiro, as crianças vão às compras numa lojinha realizada dentro da escola em que podem adquirir diversos produtos, que vão de material escolar a pedagógico | Foto: Fotos: Ricardo Chicarelli
No mês das crianças, alunos puderam comprar minutos em brinquedos instalados na escola e guloseimas
No mês das crianças, alunos puderam comprar minutos em brinquedos instalados na escola e guloseimas



Nos últimos três anos, muito se fala na crise financeira pela qual o país está passando. Com o declínio da economia nacional, houve diminuição do poder aquisitivo, juros altos, preços dos produtos e serviços nas alturas que refletiram no aumento do endividamento e inadimplência. Com isso, grande parte da população reduziu drasticamente seu consumo para colocar as contas em dia e honrar as dívidas. Se as pesquisas mostram que a maioria dos brasileiros está correndo atrás do prejuízo, uma outra pequena parcela está conseguindo passar sem grandes turbulências, pois, além das reservas financeiras para períodos de crise, possui planejamento do orçamento domiciliar, isto é, nada mais que saber controlar os gastos de acordo com o que se ganha.

Especialistas na área afirmam que muito dessa situação se dá por causa da falta de habilidade em lidar com o dinheiro do brasileiro, já que as pessoas não poupam e gastam mais do que ganham, comprometendo, assim, grande parte da renda familiar. Pensando por esse lado, há uma forte corrente que defende a inclusão da Educação Financeira desde a primeira infância, como forma a capacitar as crianças a fazerem o melhor uso do dinheiro, evitando, justamente, que esta chegue à fase adulta sem saber lidar com limites e escolhas. A disciplina ainda não faz parte do currículo obrigatório das instituições de ensino, mas vem ganhando espaço, sobretudo, na rede privada de educação.

Ainda que o foco não seja totalmente voltado à educação financeira, o projeto "Ser para ter", da Escola Municipal Santos Dumont (região oeste), vem colhendo bons frutos com a iniciativa. Há cinco anos, todos os alunos – do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental – participam das atividades que englobam o projeto. A cada atividade desenvolvida com empenho e êxito, as crianças recebem uma cédula da chamada "graninha". Ao final do bimestre, depois de acumular uma quantidade X de dinheiro, saem às compras numa lojinha realizada dentro da escola em que podem adquirir diversos produtos, que vão de material escolar, material pedagógico (maioria produzido pelos professores) a outros oriundos de doação. Na última lojinha, realizada no mês das crianças, puderam comprar minutos em brinquedos de diversão e guloseimas.

A diretora da escola, Ceila de Camargo Valle, explica que a implantação do projeto nasceu da necessidade de motivar mais a participação dos alunos e, também, das famílias, na escola. "Havia muitos problemas que atrapalhavam o bom andamento da escola e, com isso, a realização das atividades rotineiras, porém fundamentais. Dentre os principais e recorrentes estavam situações de comportamento como conversas, chegar atrasado, bem como a falta de encapar os livros pedagógicos que são emprestados, entrega do livro na biblioteca no prazo estipulado, vir à aula sem roupa adequada para aula de Educação Física. Já os pais não participavam das reuniões, não acompanhavam o desempenho do filho na escola ou não davam justificativa das faltas", resume a diretora.

A professora Sueli Norato Duim aplica com os alunos o "semáforo" na agenda: quanto mais sinais verdes, mais "graninha" no bolso.
A professora Sueli Norato Duim aplica com os alunos o "semáforo" na agenda: quanto mais sinais verdes, mais "graninha" no bolso.



Diante disso, junto com toda a equipe pedagógica, desenvolveu o projeto que visa, no primeiro momento, reconhecer e valorizar quem faz. "Não é uma ação punitiva, pois não há perda da graninha caso não cumpra as regras. Pelo contrário, quem as segue é que ganha por merecimento; é a recompensa pelo compromisso cumprido. Se em um bimestre não fez o melhor, a criança pode tentar novamente no próximo, com uma nova chance de recomeçar." Além das regras da escola, cada professora regente tem a liberdade de estipular suas próprias em sala de aula, de acordo com a necessidade e especificidades da turma. Portanto, as regras podem mudar a cada início de bimestre. "Tudo é divulgado aos alunos para que se preparem e fiquem atentos."

Se no início o objetivo do "Ser para ter" era envolver toda a comunidade escolar, o projeto se mostrou muito mais amplo. "Percebemos o potencial de desenvolver outras habilidades, como o consumo consciente e autonomia da criança, pois muitas chegavam à lojinha e não sabiam sequer escolher o que comprar ou quanto valia cada coisa. Com isso, em situações reais e práticas, aprenderam sobre o poder de decisão, além de desenvolver estratégias, negociação e administrar a quantia de graninha
diante das possibilidades. Há ainda a questão da autoestima ao sentirem-se valorizados em comprar com o dinheiro fruto de suas conquistas. Também aprenderam a pensar coletivamente, já que, não raras as vezes, precisam se unir com outro amigo para comprar algo e dividir, pois a graninha não é cumulativa de um bimestre para outro."

Sueli Norato Duim, professora do primeiro ano, aplica com os alunos o "semáforo" na agenda. Trata-se de calendário semanal em que a criança recebe as cores (vermelho, amarelo ou verde) a cada dia de aula. "Para receber a graninha da semana, ela precisa ter mais cores verdes ao final da semana. É uma forma de visualizarem seu comportamento e melhorarem ao longo dos dias", diz. Além do impacto positivo na vida escolar das crianças, ela conta que o projeto refletiu diretamente na participação dos pais. "Eles perceberam o quanto é importante estarem atentos ao comportamento dos filhos e como podem ser valorizados por isso. Depois desse tempo, entenderam que as regras também são para eles. É uma cadeia em que todos são beneficiados. Com a lojinha, aprendem a ter objetivos e a respeitar o valor das coisas."