Domingos Montagner como Santo, seu último papel na TV: talento também no teatro e no circo, sua grande paixão
Domingos Montagner como Santo, seu último papel na TV: talento também no teatro e no circo, sua grande paixão | Foto: Divulgação / Rede Globo
Paulo Braz com os programas dos espetáculos de Montagner em Londrina: simplicidade e dedicação
Paulo Braz com os programas dos espetáculos de Montagner em Londrina: simplicidade e dedicação | Foto: Celso Pacheco



As águas do rio São Francisco encheram de beleza a tela de milhões de aparelhos de TV que ficaram sintonizados na novela Velho Chico nos últimos seis meses. Além da estética apurada que retratou a realidade da população ribeirinha brasileira, o folhetim que chegou ao fim nesta semana ficará marcado por uma tragédia que rompeu os limites da ficção. A morte do protagonista Domingos Montagner pôs fim à carreira de um dos mais promissores atores do País, dono de um talento que pôde ser apreciado pelos londrinenses muito antes de ganhar projeção nacional.

Paulista nascido e criado no bairro de Tatuapé, Domingos Montagner iniciou sua trajetória artística como palhaço de circo no final da década de 1980. Após participar de inúmeras apresentações de rua, fundou em parceria com o ator Fernando Sampaio o grupo La Mínima, com o qual se apresentou em Londrina pela primeira vez. "Em 1999, o espetáculo La Mínima Cia de Ballet fez parte da programação artística da Mostra Regional Nacional Universitária do Filo (Festival Internacional de Londrina). No palco do Circo Funcart, Domingos Montagner e Fernando Sampaio fizeram uma paródia do balé clássico utilizando técnicas de circo e clown", lembra Paulo Braz, coordenador e curador do evento.

SIMPLICIDADE
O londrinense disse que apesar da ligação estritamente profissional que manteve com os atores paulistas, a simplicidade e humildade da dupla chamou a atenção dos profissionais que trabalhavam na produção do festival. "O Domingos e o Fernando mostraram uma total cumplicidade com toda a equipe técnica, dando atenção e se mostrando dispostos a colaborar com todos os profissionais envolvidos no evento. Acho que isso se deve ao fato de eles terem vindo do circo, onde com poucos recursos financeiros os artistas acabam desempenhando todas as funções que envolvem um espetáculo, sabendo que cada pessoa ali é essencial para o todo. No espetáculo que apresentaram aqui na cidade, por exemplo, os dois assinaram a direção, concepção, figurinos, cenografia, trilha sonora e coreografia da montagem", salienta Braz.

O talento e o carisma dos atores paulistas fez com que a dupla retornasse à cidade dez anos depois, como convidados especiais do Filo. "Em 2009, a Cia La Mínima foi convidada para a abertura do festival, que aconteceu no Teatro Ouro Verde. Desta vez Domingos e Fernando apresentaram o espetáculo "Nariz de Palhaço", que trabalhava bastante movimentos no chão e aéreos, como o trapézio. Era um trabalho minucioso que exigia muita técnica e domínio corporal. Sem dizer nenhum texto, os atores conseguiram prender totalmente a atenção do público durante uma hora de espetáculo. Nesta ocasião eles fizeram três apresentações em Londrina, quase todas com ingressos esgotados", detalha o coordenador do Filo.

RECONHECIMENTO
Braz salienta que apesar de ainda não ter estreado na TV – o contrato com Globo viria mais tarde - o talento de Domingos Montagner e de seu parceiro em cena já tinha ganhado reconhecimento nacional pelo trabalho no circo e no teatro. "Com 'Nariz de Palhaço', os dois foram premiados com o Prêmio Shell de Melhor Ator em 2008, um fato inédito, já que a premiação contempla apenas um ator a cada edição, mas acabaram abrindo uma exceção para reconhecer o talento dos dois atores considerados excepcionais," relata.
Paulo Souza, técnico de iluminação em São Paulo, trabalhou durante treze anos com Montagner, primeiro no grupo La Mínima, onde começou em 2003, depois no Circo Zanni, a partir de 2004. Ele confirma as impressões de Paulo Braz sobre a imensa dedicação de Montagner à sua arte: "Ele sempre ajudava, montava os cenários junto com os técnicos e o ator Fernando Sampaio, no circo ele fazia toda a direção artística. Bateu muita estaca para levantar a lona, sempre junto em tudo, inclusive na bilheteria,no bar do circo vendendo pipoca,ele sempre estava lá. Claro que isso bem antes de virar ator global,depois já não era possível,pois o público não dava mais sossego", afirma.
Souza também se recorda das dificuldades que passaram juntos, como nas vezes em que "montavam o circo e não aparecia ninguém". Mas as melhores lembranças são as das viagens quando riam muito porque, segundo ele, Montagner tinha um ótimo humor. Ainda entristecido com morte do ator, Souza afirma que, acima de tudo, perdeu um amigo e "o Brasil perdeu um grande ator". (Colaborou Célia Musilli)