Antes do primeiro disco, a banda se apresentava numa casa de shows, até ser expulsa após tocar pela primeira vez "The End", música que aborda o mito de Édipo
Antes do primeiro disco, a banda se apresentava numa casa de shows, até ser expulsa após tocar pela primeira vez "The End", música que aborda o mito de Édipo | Foto: Reprodução



"Vamos nadar para a lua, vamos escalar a maré". Foram estes os versos que Jim Morrison recitou para Ray Manzarek, em 1965, numa praia de Santa Mônica, enquanto ainda estudavam cinema na Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Hipnotizado, como muitos viriam a se sentir diante da presença de Morrison, Manzarek sugeriu que criassem uma banda. O baterista Jon Densmore e o guitarrista Robby Krieger conheceram o futuro tecladista durante aulas de meditação. Em janeiro de 1967, o grupo The Doors – que teve o nome inspirado na obra de Aldous Huxley, "As portas da percepção" – lançou o álbum homônimo: seu primeiro trabalho e aquele que os consagraria como uma das bandas mais influentes de rock psicodélico do final dos anos 60. Em 2017, a banda está completando 50 anos e ainda mantém o carisma capaz de hipnotizar gerações.

Antes do primeiro disco, a banda se apresentava na casa de shows Whisky a Go Go, até ser expulsa após tocar pela primeira vez "The End", música que aborda o Mito de Édipo – o que refletia as tendências freudianas da época. A ousadia de Morrison em suas interpretações mirabolantes no palco não eram "comestíveis" nem mesmo por parte de seu público. O termo, usado por Mylton Casaroli, produtor rural de Londrina, de 61 anos, refere-se à aura refratária da banda, às letras complexas e ao instrumental distinto. "Eu não gosto de coisa muito comestível, muito fácil, e The Doors não era comestível", explica enquanto ajeita um dos inúmeros discos que guarda com muito capricho numa cômoda de sua sala, que tem os móveis dispostos de frente para uma vitrola, e não uma televisão.

Mylton Casaroli, 61 anos: "Eu não gosto de coisa muito comestível, muito fácil, e The Doors não era comestível"
Mylton Casaroli, 61 anos: "Eu não gosto de coisa muito comestível, muito fácil, e The Doors não era comestível" | Foto: Anderson Coelho



"Light my Fire" também viria a ser um grande sucesso. A música, um hino ao desejo sexual, foi composta pelo guitarrista Robby Krieger, e consagrou-se como um dos tantos símbolos da contracultura por trazer solos de órgão e piano. Em setembro de 1967, The Doors foi convidado a se apresentar no famoso programa de Ed Sullivan. Para isso, os censores do canal de tevê exigiram que Morrison omitisse uma parte da letra: Ao invés de cantar "não poderíamos ficar mais chapados" trocar por "não poderíamos ficar melhores". O show foi transmitido ao vivo e a letra original mantida.

O cavaleiro da tempestade
Desde o início, Jim Morrison nutria uma imagem irreverente. Sua personalidade tonitruante viria a chocar multidões. Enquanto imerso em performances imprevisíveis e eróticas, Morrison representava um típico rockstar rebelde. O jornalista Luciano Pascoal, 47, o descreve como "um cara que representava um ser mítico. No palco ele virava um bicho com aquela calça de couro. Era hipnotizante, a galera ia ao delírio com ele. Mas ele era um cara que tinha defeitos como todos nós". Nostálgico, Pascoal foi um dos tantos jovens que mistificaram a figura de Morrison, mesmo depois de seus problemas com álcool e drogas virem à tona. "Quando você é jovem, você idealiza. O mito é uma idealização. Quando esse mito é destruído e você entra em contato com seus defeitos, muitas vezes ele fica melhor ainda. É aí que você se apaixona, ele é um cara de carne e osso".

Luciano Paschoal, 47 anos, visitou o túmulo de Morisson em Paris:" É uma peregrinação para qualquer amante do rock"
Luciano Paschoal, 47 anos, visitou o túmulo de Morisson em Paris:" É uma peregrinação para qualquer amante do rock" | Foto: Anderson Coelho



O carisma de Morrison atravessou gerações. Pedro Nolli, estudante de música de 21 anos, observou que "com aquela persona, ele estava consciente de que poderia agradar algumas pessoas e criar uma identificação". Morrison era acima de tudo um artista que buscava perpetuar suas convicções, o que esteve intrínseco à banda. Para Nolli, The Doors "não era um show como Led Zeppelin, que as pessoas iam para ver a banda. Era um show para ver qual seria a loucura que o Jim Morrison ia fazer. E isso é muito subversivo: a ideia dele surpreender sempre, de chocar todo mundo, inclusive o próprio público".

Morrison teve dois livros de poesia publicados em 1969 e mais dois postumamente, em 1990. A temática envolvia a cultura indígena, mais especificamente o xamanismo, a morbidez e suas percepções do universo. A rebeldia autodestrutiva à qual Morrison costuma ser associado desconsidera seu lado sensível e poético. Para Pascoal, "há o Jim Morrison letrista da banda de rock e há o poeta. O poeta era diferente, era uma outra linguagem". Sua figura misteriosa e atraente ofuscava os demais integrantes da banda, o que é evidenciado na capa do CD lançado há 50 anos. Na fotografia de Guy Webster, os três músicos funcionam como meros satélites do rosto destacado do vocalista.

Pedro Nolli,21 anos: "As pessoas não iam ao show do The Doors só para ver a banda, iam para ver qual seria loucura de Morrison"
Pedro Nolli,21 anos: "As pessoas não iam ao show do The Doors só para ver a banda, iam para ver qual seria loucura de Morrison" | Foto: Gina Mardones



Dias estranhos
Depois do sucesso do primeiro CD, a banda manteve a aceitação com "Strange Days", ainda que tenham deixado de ser uma banda underground. Na turnê de "Waiting for The Sun" (1968), Morrison foi acusado de supostamente exibir sua genitália para o público de um show em Miami. Nolli explica que The Doors "não era uma banda só musical, era muito teatral, e isso chocou todo mundo". Foi nessa época que o vocalista passou a ter problemas mais graves com álcool.

Em 1969, Soft Parade foi criticado por suas características experimentais distantes do estilo musical da banda. Quando questionado sobre qual seria sua música preferida, após resistir muito, Nolli admite ser "Soft Parade". "Acho que Doors é a banda que define psicodelia sem querer muito ser psicodélico, como os Beatles tentaram ser no Magical Mistery Tour".

"Morrison Hotel" (1970) foi o penúltimo CD da banda, e não foi muito bem recebido pela crítica. Em 1971, "L.A. Woman" retornou ao topo da aceitação, bem como para suas origens calcadas no rock e no blues. Para Casaroli e Pascoal, a melhor música da banda é "L.A. Woman". Três meses depois da comercialização do disco, Morrison morreu.

O fim de um mito

Depois da morte do vocalista, a essência da banda se perdeu: sem Jim Morrison não há Doors
Depois da morte do vocalista, a essência da banda se perdeu: sem Jim Morrison não há Doors | Foto: Reprodução



A morte de Jim Morrison segue um mistério até hoje. Especula-se uma possível overdose e até mesmo que ele tenha forjado sua morte para viver no anonimato. A versão oficial é uma parada cardíaca.

Luciano Pascoal visitou há 7 anos o túmulo de Morisson no cemitério do Pére-Lachaise, em Paris, e conta que a visita "é uma peregrinação para qualquer amante do rock". O jornalista também constatou que "o rock, no fundo, são as memórias que a música te traz".

Mylton Casaroli compartilha do tom nostálgico. "Comecei minha vida no rock psicodélico. Eu era rebelde, não podia ouvir Roberto Carlos, tinha que ouvir algo diferente". Para os mais velhos, o rock clássico cumpre a função de recordar, enquanto para jovens, significa uma salvação fora de época. Nolli conta: "Teve uma época em que eu não estava muito bem e Doors foi meu alívio".

The Doors deixou marcas profundas na história do rock. Marcas que resistem ao tempo e à grande quantidade de bandas que se formaram ao longo destes 50 anos. Sua função de ruptura embasada no erotismo e na rebeldia certamente permanecerão na memória e, de alguma forma, no universo.

O restante da banda chegou a lançar mais três CDs sem a presença de Morrison em 1972. O último, "An American Prayer" (1991), conta com gravações de recitação de poesias do vocalista. Ainda assim, a essência do grupo se perdeu. Sem Morrison, não há Doors.