Julio Anizelli, produtor de áudio:"O CD já é uma mídia descartável, os investimentos nas mídias digitais são muito mais atrativos"
Julio Anizelli, produtor de áudio:"O CD já é uma mídia descartável, os investimentos nas mídias digitais são muito mais atrativos" | Foto: Gina Mardones



A popularização dos CDs na década de 90 fizeram que as fitas cassetes e os vinis fossem aposentados sem piedade, com exceção dos colecionadores. Passada a efervescência dessa mídia, que inclusive enfrentou o desafio da pirataria, agora, é ela que parece estar com os dias contados. A cada ano, cai consideravelmente a venda de material físico e o mercado de música apontou para o mercado digital. Se a venda de faixas para baixar arquivo parecia uma revolução, diante de um cenário permeado pela tecnologia, as plataformas de streaming de áudio – serviço de transmissão online de música para reprodução em computadores, tablets ou smartphones – ganharam, recentemente, uma grande dimensão mudando completamente a forma de consumir música. Diferentemente das rádios online, em que há uma programação definida, o usuário tem um acervo enorme à sua escolha. Dependendo da plataforma, é possível ouvir offline, sem a necessidade de ocupar espaço na memória do gadget.

Para se ter uma ideia da nova realidade, enquanto as vendas físicas caíram 4,5% em 2015, as receitas da área digital cresceram 10,2% e já representam mais da metade do faturamento com música gravada em 19 países, incluindo o Brasil. O streaming, por sua vez, é o formato que cresce mais rápido, já representando 19% do total das receitas fonográficas. O total de subscritores "Premium" de streaming cresceu 65,8% em 2015, somando 68 milhões de assinantes em todo o mundo. Em termos de usuários gratuitos, as estimativas quadriplicam. Os dados fazem parte do último relatório divulgado pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), referente ao ano de 2015. Um novo relatório com os números de 2016 deve ser lançado em março deste ano.

Segundo Paulo Rosa, presidente da ABPD, os dados confirmam a tendência dos últimos anos que já apontava para um gradual amadurecimento do mercado de distribuição de música em meios digitais, com diversidade e consistência de modelos de negócio e cada vez mais consumidores participando do mercado formal. "Os números divulgados pela ABPD demonstram que o mercado brasileiro segue a mesma tendência do mercado mundial, com o setor digital sendo determinante para seu crescimento e já representando a maior parte de suas receitas." No Brasil, houve um recuo de 19,3% das vendas físicas e um crescimento de 45,1% no mercado digital em 2015. As receitas com origem na distribuição por streaming remunerados por subscrição/assinatura cresceram 192,4%; números que ficam acima dos mundiais.

Bruno Morais, músico: " o vinil é uma obra de arte, o disco possibilita uma experiência sensorial e analógica que muitos querem ter"
Bruno Morais, músico: " o vinil é uma obra de arte, o disco possibilita uma experiência sensorial e analógica que muitos querem ter" | Foto: Gina Mardones



NOVO CAMINHO
Então, não há como escapar: o artista deve colocar sua obra disponível para reprodução ou venda digital se não quiser ficar fora dessa nova maneira de ouvir música. Para isso, é só escolher uma agregadora ou distribuidora digital que tenha licença para realizar o upload das músicas em alguma plataforma de streaming. Na outra ponta, os usuários, que podem usufruir de várias plataformas que oferecem um acervo com milhões de faixas nas versões gratuitas ou com pacotes de mensalidade com vantagens. Entre elas, as mais conhecidas são Deezer, Spotify, Apple Music, Google Play Music e o SoundCloud, que migrou há pouco tempo para esse modelo. As lojas virtuais para download de faixas individuais ou álbuns inteiros, ainda que mais tímidas, também mantém sua clientela.

Diretor executivo da União Brasileira de Compositores (UBC), Marcelo Branco comenta que a música digital no Brasil está se firmando e tem mostrado sua importância, sobretudo econômica. "É um modelo de consumo muito mais conveniente e democrático que vem de encontro à ideia de que o acesso é mais importante que a posse. Ou seja, a portabilidade possibilita ouvir em qualquer lugar a qualquer momento." Como todo novo modelo, segundo ele, este passa por um processo de maturação e algumas formas de remuneração ainda precisam ser revistas. "Acreditamos que, nos próximos 3 ou 4 anos, a transferência de valores monetários seja mais justa para todos os profissionais da cadeia", diz, completando que, atualmente, o YouTube no Brasil é a única plataforma que não reconhece o sistema de execução pública e não repassa os direitos autorais.

Raul Reis, cantor e compositor: "O processo de criação e a qualidade são os mesmos, o que muda é a forma de distribuição"
Raul Reis, cantor e compositor: "O processo de criação e a qualidade são os mesmos, o que muda é a forma de distribuição" | Foto: Saulo Ohara



GRAVAÇÃO
Julio Anizelli, produtor de áudio do Plugue Estúdio diz que nesse cenário em que o streaming musical só cresce, orienta os artistas que gravam em seu estúdio a investirem em mídia digital em vez do material físico. "Hoje está cada vez mais comum os artistas gravarem faixas individuais e realizarem a produção para lançamento com vídeo ou irem carregando em plataformas de streaming. Como o CD já é uma mídia descartável, os investimentos em mídias digitais são muito mais atrativos, sem contar que, assim, as possibilidades de abrangência da música são infinitamente maiores. Contudo, uma opção física que tem sido muito retomada é a fabricação de vinis, porém, está é voltada como forma de souvenirs ou para colecionadores."

O cantor e compositor londrinense Raul Reis se prepara para lançar uma faixa de seu novo álbum. A música já foi gravada em estúdio e, em breve, o videoclipe estará nas mídias digitais. "O processo de criação e qualidade do som são os mesmos, tanto que, depois de pronta, a música pode ir para qualquer mídia, inclusive física. O que muda nesse formato digital é a forma de distribuição. Existe uma demanda de consumo a que os artistas precisam estar atentos. Temos que aproveitar a abrangência das redes sociais e das mídias digitais para divulgar e promover nosso trabalho. Isso é que vai garantir o compartilhamento e visibilidade que refletem no retorno financeiro através dos shows", diz o músico.

Imagem ilustrativa da imagem Streaming para ouvidos modernos



RETOMADA
Com mil cópias do primeiro CD "A Vontade Superstar", lançado em 2009, o músico londrinense Bruno Morais radicado em São Paulo, participou do inicio dessa mudança no mercado de música e, desde então, está presente nas lojas virtuais e plataformas digitais. Porém, ainda que veja com bons olhos esse novo universo que, para ele, possibilita um lançamento mundial e simultâneo do trabalho, a retomada de fabricação de vinis e o crescimento de uma comunidade interessada nesses produtos só tende a aumentar. "O disco possibilita uma experiência sensorial e analógica que muitas pessoas querem ter. O vinil, muito mais que um álbum, é uma obra de arte, com a qual cria-se uma relação muito mais profunda em meio a toda essa oferta e efemeridade do mundo digital." Dois anos depois, o cantor lançou o mesmo CD em formato de vinil e outros dois compactos (com duas músicas cada), que já haviam sido lançadas isoladamente nas mídias digitais. Para este ano, a previsão é do lançamento de um novo álbum virtual e mais dois compactos que também serão prensados em vinil.