Imagem ilustrativa da imagem Overdrive
| Foto: Elisa Mendes/ Divulgação
Cena de "Caranguejo Overdrive": texto inteligente e montagem competente



Na última terça assisti ao espetáculo "Caranguejo Overdrive", da Aquela Cia de Teatro, dirigido por Marco André Nunes, um dos destaques desta edição do Filo. A montagem é dinâmica, não existe brecha para a monotonia, com excelentes atores, texto impecável e música ao vivo segurou a atenção da plateia até o fim. A energia de Chico Science e do Manguebeat estavam presentes.

Pena que em Londrina não puderam ter os caranguejos vivos numa gaiola mantida no palco, faz parte da montagem, eles têm licença do Ibama para isso, acredito que tratem bem os bichos e com a ideia investem nas metáforas que só a arte proporciona com soluções cênicas criativas. Mas Londrina não tem mar, tampouco caranguejos, e a companhia carioca "aprisionou" pedras na gaiola, também simbólicas levando-se em conta o contexto de um país em que é duro viver, paralisado em anos de mazelas.

A peça, escrita por Pedro Kosovski, aborda os manguezais cariocas e de Recife. Trata da vida de um catador de caranguejos, a partir de 1848, que lutou na Guerra do Paraguai - aquele acinte cívico no qual marcharam milhares de índios e negros sem nenhuma afinidade com a ideologia que se propunha. A história desdobra-se no tempo, com os quadros políticos do país refletindo sempre essa falta de afinidade com a população pobre, tendo como pano de fundo projetos mirabolantes desde o século 19, quando construíram no Rio de Janeiro o Canal do Mangue que consumiu dinheiro aos borbotões, em consórcios do Barão de Mauá com investidores ingleses, indicando que não há nada de novo no front das negociatas.

A crítica política é ferina e inteligente, perpassa toda História do Brasil, de Getúlio Vargas à Dilma Rousseff, sem esquecer Tancredo Neves e Collor. Não à toa, o espetáculo levou três Prêmios Shell: de Melhor Direção, Melhor Texto e Melhor Atriz para Carolina Virguez, impecável como prostituta paraguaia, narrando toda a história com irreverência e humor.

"Caranguejo Overdrive" dá a oportunidade ao público de rever a história de forma crítica, com sensibilidade afiada como pinças de caranguejo pegando nossos calcanhares ao menor deslize de concessão aos poderosos de qualquer partido, em qualquer tempo, com o seu comportamento de aproveitadores das benesses do Estado, mantendo a população nos mangues da ideologia falseada. Neste ponto, a bandeira do espetáculo é muito atual.

Nos momentos de crítica o público riu muito dos estereótipos físicos e ideológicos dos governos desde o Império que nunca nos livraram do cheiro de mangue político. O protagonista – metade homem, metade caranguejo – no fim é apanhado na rede da miséria da qual, afinal, nunca nos livramos.

O público aplaudiu bastante e no fim alguém aproveitou o clima de euforia para puxar um coro pelas "Diretas Já" e "Fora Temer". Aplaudi as diretas com uma das mãos batendo no corpo, enquanto mantinha a outra ocupada em segurar uma bolsa com sete reais em moedas. Número cabalístico em véspera de feriado nacional.

Só lamentei que o público não se ocupasse em puxar o coro completo usando o portunhol típico daquela prostituta paraguaia para gritar: "Que se vayan todos!" De minha parte, não consigo fazer a crítica pela metade. Meio mulher, meio caranguejo, não esqueço o mangue das alianças políticas recentes que muitos aplaudem sem levar em conta que protegem indiretamente acordos malcheirosos que nos deixaram legados e "heranças". Sempre é bom lembrar: os contratos e as negociatas subterrâneas no Brasil nunca foram unilaterais, eles seguem à direita e à esquerda.