"La La Land": um dos preferidos ao Oscar de Melhor Filme mostra a necessidade de assumir uma paixão sem cair num conto de fadas, mas buscando manter vivo o caminho do sonho
"La La Land": um dos preferidos ao Oscar de Melhor Filme mostra a necessidade de assumir uma paixão sem cair num conto de fadas, mas buscando manter vivo o caminho do sonho



"E o Oscar vai para..." Pensando bem, quando no Dolby Theatre de Los Angeles, for revelado o melhor filme desta 89ª edição dos prêmios Oscar, o título vencedor não vai significar muito a não ser aquilo que cada um dos nove nominados para a categoria vale de fato enquanto obra de arte cinematográfica. "La La Land" ou "Moonlight" ou "Manchester by the Sea" (o trio de favoritos): não importa quem levará o troféu. Ainda que a estatueta simbolize muitos milhões adicionais nas bilheterias, e recompense com sobras todos seus envolvidos com a multiplicação de oportunidades de trabalho na indústria e contribua para uma vez mais consolidar e auto incensar a hegemonia hollywoodiana urbi et orbi – importa mesmo o que cada um dos nominados trouxe de novidade em fundo e forma, especialmente em conteúdo, em densidade, em verdade nas propostas e discursos, em exposição de conflitos, em fértil contribuição para o debate, para uma conversa entre espectador e o objeto visto na tela, e que deve se prolongar para além do tempo que se leva no interior da sala escura.

"Moonlight": filme-poesia mostra o lado sensível e emocional da cultura negra
"Moonlight": filme-poesia mostra o lado sensível e emocional da cultura negra | Foto: Fotos: Divulgação



Não creio que este parágrafo de abertura pudesse ser escrito a propósito das últimas edições do prêmio. E isto porque não me recordo de safra ultimamente tão afinada como esta de 2017. A lamentar com veemência o descaso dos exibidores locais ao não acompanhar o calendário das estreias brasileiras dos nominados e o não alinhamento das datas dos lançamentos, preferindo a reposição tardia e irregular dos títulos. Pena, porque a visão do conjunto ficou prejudicada, e o ponto de convergência para a aferição da qualidade restou fragmentado.

A marca que vai perdurar desse punhado de filmes é o fator humano permeando suas histórias, as engenhosas e caprichosas armações da vida arquitetando a construção de personagens factíveis, a insistência e as peculiaridades de suas personalidades habitando e enriquecendo a imaginação do público. Não há um só argumento entre os nove nominados que, com convicção, não tenha convidado o espectador ao debate e a dar uma proveitosa escapada de sua zona de conforto. De modo geral, e com a generosidade de que somente o melhor cinema é capaz, os nove filmes trouxeram à luz personagens que grudaram na plateia e se deixaram conviver, mostrando o melhor de suas complexidades. Deram lições de humanismo. Como o ainda inédito em Londrina "Moonlight", filme-poesia que jogou todas as fichas ao revelar o lado sensível e emocional da cultura masculina negra, algo que usualmente não se vê no cinema e muito menos na vida real.

Imagem ilustrativa da imagem Oscar de carne, osso e alma



Ou "Estrelas Além do Tempo", que aborda o empoderamento em sua versão mais popular através de um trio de mulheres fortes, lutando não só por se estabelecer profissionalmente, mas para fazer valer seus direitos num tempo em que nem havia direitos. Mesmo a narrativa musical evasiva, o puro entretenimento de "La La Land" mostra a busca por um equilíbrio existencial e esse difícil momento que justifica uma vida inteira: assumir uma paixão sem cair num conto de fadas inócuo, mas buscando manter vivo no horizonte o caminho do sonho.

A fidelidade aos princípios, a forja do caráter em tempos de guerra, a fé (quase cega) na sobrevivência da paz (embora construída à custa de muito sangue) – isto é "Até o Último Homem", sermão pouco sutil servido pelo contraditório Mel Gibson pelo viés formal de fascinante visualização. Um discurso antibélico submerso num mar de violência, e um personagem paradigmático perdido em cenário de urgência visceral e primitiva.

"Manchester à Beira Mar":a radiografia de um homem torturado pelo remorso com todos os atributos de um drama humano
"Manchester à Beira Mar":a radiografia de um homem torturado pelo remorso com todos os atributos de um drama humano



FICÇÃO E LIRISMO
"A Chamada" é a estranha, atrevida, poética e cativante ficção científica que se transforma em pedagogia sem a chatice dos pedagogos da academia embolorada. Nada discursivo, dotado de clima kubrickiano e com uma Amy Adams em estado de graça, é um belo apelo para que nos comuniquemos mais e mais entre nós, aqui mesmo na Terra enquanto esperamos os marcianos. Se algum dia eles vierem, como heptápodes ou não... E retomando a velha vertente dos corações e mentes, "Lion : Uma Jornada para Casa" propõe uma conversa tão esclarecedora quanto honestamente emotiva em torno do tema da adoção, dos sentimentos do adotado e de quem adota - comovente Nicole Kidman. E liricamente estende esta conversa ao inevitável vazio de não saber de onde viemos e quem somos. Uma primeira metade que vai fundo na questão da infância mais desvalida e mais vulnerável, e uma joia a interpretação de um pequeno grande ator.

A teatralidade que denuncia a origem de "Um Limite Entre Nós" não invalida o trabalho de e com Denzel Washington, e entrega uma Viola Davis admirável. O drama que denuncia a frustração e o determinismo racial contem ótimos diálogos, poderosa crônica familiar sobre a relação do casal e o conflito geracional entre pais e filhos, tudo embalado em entorno social, racial e passional. A família também é o alvo preferencial de "Manchester À Beira Mar", talvez o filme mais austero e intenso de toda a temporada, um atestado desolador sobre a aflição e o insuportável peso da perda e da culpa, impossível de amenizar num único grito e numa súbita explosão de fúria. Impecável eleição e contenção de atores, bem como inexorável vinculo entre personagens. Master class de dramaturgia e elegância de mise-en-scene.

Fechando a lista, "A Qualquer Custo" é o autofágico neo-western social de ferina ironia, se retroalimentando para mostrar como anda o mundo contemporâneo feito de injustiças e debilidades causadas pelo desequilíbrio econômico. Também a família assume protagonismo, e os laços de sangue fazem a diferença neste mergulho socioeconômico. O thriller rural, ágil e bem calibrado, também não despreza a chance de fazer uma varredura na herança maldita de um sistema político pouco afeito a oferecer chances aos menos favorecidos. Em tempo: não é filme neo-comunista, mas uma história sobre recompensas morais, no qual paisagens e personagens se fundem tragicamente.



Oscar na TV
No Brasil, o Oscar será exibido ao vivo neste domingo (26) apenas pelo canal pago TNT. A transmissão começa às 21h e terá comentários de Domingas Person e Rubens Ewald Filho. Além disso, Carol Ribeiro entrevistará as maiores celebridades do entretenimento direto do tapete vermelho à partir das 21h30.

Já para quem prefere acompanhar a premiação pela Internet, a TNT GO vai transmitir o Oscar 2017 ao vivo e com tradução simultânea. Além disso, a partir das 20h30, será possível acompanhar a live Escolha seu Apresentador, com transmissão ao vivo pelo YouTube (www.youtube.com/tntbra). A reapresentação da cerimônia acontece na segunda-feira (27), às 15h25, na TNT.

A Rede Globo, que é detentora dos direitos de exibição do evento, optou por transmitir ao vivo o Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, que acontece na mesma noite. Já o Oscar vai ganhar um programa especial na segunda-feira (27), às 15h20. A apresentação fica por conta de Christiane Pelajo e comentários de Arthur Xexéu e Miguel Falabella.

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