Jaqueline Vieira: "Minha ideia é mostrar o que ninguém vê"
Jaqueline Vieira: "Minha ideia é mostrar o que ninguém vê"



A mais antiga fotografia, registrada em 1826, não foi de um badalado evento da alta sociedade ou de um estadista em uma pose imponente, mas do quintal da casa do primeiro fotógrafo, o químico Joseph Nicéphore Niépce, numa pacata cidade no interior da França.

A fotografia, portanto, nasceu amadora. Passados quase 200 anos, fotografar se tornou uma atividade profissional com um peso econômico importante, mas não perdeu a dimensão amadora que compele cada vez mais pessoas a eternizar seus momentos preciosos com o clique da máquina.



Se num passado não tão distante os fotógrafos se organizavam exclusivamente em clubes e carregavam pesados portfólios debaixo do braço, hoje o advento da tecnologia digital e as redes sociais permitem que uma quantidade maior de imagens atinja um público maior em menos tempo.

Ana Teresa Kathounian: "O fotógrafo não pode explorar economicamente a pobreza e fazer fama às custas dela"
Ana Teresa Kathounian: "O fotógrafo não pode explorar economicamente a pobreza e fazer fama às custas dela"



De acordo com o fotógrafo e professor de fotografia Antonio Neto, isso se traduz no crescimento no interesse pelo aprendizado da técnica fotográfica. "Passam por mim alunos de todas as faixas etárias e de renda. Por um lado, a câmera digital facilita o nosso trabalho, mas ao mesmo tempo exige mais conhecimentos de informática, transferência de dados e edição".

Acostumada a manusear a câmera digital desde os 13 anos, Ana Teresa Kathounian, 22, tem intimidade com a fotografia. Deu os primeiros cliques acompanhando as atividades do pai agrônomo no sítio onde morava no interior de São Paulo. Quando veio à Londrina para estudar Direito, participou de um projeto de assessoria jurídica no Morro dos Carrapatos, zona leste, e descobriu uma nova dimensão da fotografia.

Fagner Bruno de Souza: "Como profissional é difícil fugir à estética padronizada, não almejo isso como profissão"
Fagner Bruno de Souza: "Como profissional é difícil fugir à estética padronizada, não almejo isso como profissão" | Foto: Fotos: Gustavo Carneiro



"Comecei a usar a foto com o propósito da militância, como denúncia social. A transmissão de imagens tem menos barreiras do que a de palavras. Mas o fotógrafo não pode explorar economicamente a pobreza e fazer fama às custas dela".

A estudante de Ciências Sociais Jaqueline Vieira, 26 anos, sentiu isso na pele quando visitou o Morro do Jacaré, no Rio de Janeiro, para registrar a ocupação da região pelas forças de segurança em 2015. "Tirei o celular e fotografei as tropas. Um policial me viu e apontou um fuzil para a minha cabeça", lembra.

Foto de Fagner Bruno de Souza: silhueta de um fotógrafo no Lago Igapó
Foto de Fagner Bruno de Souza: silhueta de um fotógrafo no Lago Igapó | Foto: Divulgação



Entusiasta da antropologia visual, que estuda a humanidade por meio das representações visuais, Jaqueline sabe que as imagens têm um papel na construção da subjetividade coletiva. "As mídias sociais de Londrina privilegiam o lago Igapó, a Gleba Palhano e a região central. Minha ideia é mostrar o que ninguém vê", diz a estudante que posta seus registros regularmente nas redes sociais. A primeira experiência dela com fotografia foi no bairro de periferia onde mora, o Jardim Olímpico, zona oeste.



Para o jornalista Fagner Bruno de Souza, de 28 anos, a fotografia também serviu de motivação para conhecer a própria vizinhança na zona sul. "Foi com a câmera na mão que eu encontrei vários fundos de vale que eu nem sabia que existiam". O primeiro contato com a fotografia foi na universidade, quando cursou uma disciplina de fotojornalismo.

De lá para cá, registrou e divulgou imagens de protestos nas ruas de Londrina e a ocupação dos secundaristas na Câmara Municipal. Atualmente empresta sua disposição de fotojornalista ao Movimento dos Artistas de Rua de Londrina, documentando apresentações culturais.

Foto de Jaqueline Vieira de atividade do Marl no conjunto Avelino Vieira
Foto de Jaqueline Vieira de atividade do Marl no conjunto Avelino Vieira | Foto: Divulgação



SER OU NÃO SER
Um dilema comum enfrentado pelos fotógrafos e fotógrafas amadoras é o da profissionalização. Fagner já aceitou convites para fazer ensaios fotográficos particulares e, apesar de o dinheiro ser sempre bem-vindo em tempos de crise, ele não pretende abrir mão totalmente da sua liberdade artística para se adequar ao mercado. "Como profissional é difícil fugir dessa estética padronizada. Penso em ir me abrindo aos poucos para o mercado, mas não almejo isso como minha profissão".

O professor de fotografia Antonio Neto alerta que a pressa para obter retorno financeiro pode gerar um profissional sem qualidade e pouco competitivo. "As pessoas querem adquirir conhecimento com rapidez, mas aprender a fotografar é como aprender a dirigir. Não se faz do dia para a noite. Fotografia não é só apertar botão, tem que treinar a sensibilidade do olhar".

O recomendado, tanto para amadores tanto para quem busca retorno financeiro, é estudar bastante e fugir das fórmulas fáceis de aprendizado superficial. "Muita gente estuda do jeito errado. Os vídeos do youtube e as dicas dos blogs podem te ensinar a apertar o botão da câmera, mas não vão ensinar a fotografar".

O caminho é buscar apoio nos manuais de fotografia e não dar tanta importância a equipamentos caros. "Em boas condições de luz, uma câmera de entrada de 2 mil e outra de 30 mil reais entregam fotos com qualidade muito parecida".

O conselho definitivo de Antonio Neto é se preocupar menos com a repercussão das fotos nas redes sociais e aproveitar mais os dias ensolarados na companhia de uma câmera. "A melhor fotografia é a que você faz por prazer. Abrace-a. Não teria sentido fotografar só por dinheiro".