Gatos, namorados e guarda-chuvas têm o dom de desaparecer magicamente. Minha gata Tattoo de vez em quando some como se entrasse num labirinto oculto no apartamento, depois de muito chamá-la – e a gata fingir que não ouve – ela dá um miadinho breve, informando que está viva, e nem sempre tenho tempo para procurá-la em todos os vãos e armários. O miado é a sinal de fumaça de que preciso na nossa comunicação matinal.
De namorados nem preciso falar, quase todas as mulheres tiveram lá seus romances que viraram sorvete, como diria meu velho pai referindo-se àquilo que derrete num piscar de olhos. Imagino que para os homens não seja diferente.
Mas das três coisas as que mais desaparecem são mesmo os guarda-chuvas. Desde menina imagino um lugar onde todos se reúnem para conversar animadamente sobre os ventos que os fizeram sumir da vista dos donos. Eles devem rir dos antigos donos.

Imagem ilustrativa da imagem Onde se escondem as sombrinhas?
| Foto: Ilustração: Marco Jacobsen



Perdi as contas de quantas sombrinhas já tive e perdi. Algumas parece que foram tragadas por alguma entidade sobrenatural ou gente bem viva e muito rápida. Coisa assim como deixar uma sombrinha apoiada no caixa eletrônico de um banco, dar dez passos sem ela até saída, me lembrar que a esqueci, voltar ao caixa e descobrir que ela não está mais lá. Quem seria o "mão leve" capaz de subtrair um objeto de outra pessoa em tão pouco tempo? Imagino se esquecesse com frequência o dinheiro sacado no caixa como já me aconteceu. Só depois de reclamar ao banco descobri, pelas câmeras de segurança, que um simpática velhinha havia pegado a grana supondo que fosse dela. Uma vovozinha arteira, dessas que a gente nem imagina que possa nos passar para trás.
Mas a frequência maior das perdas e danos ocorre mesmo com os guarda-chuvas. Às vezes eu mesma dou conta de escondê-los, como nesta semana, em que procurava a gata numa lixeira de papéis onde ela costuma ficar e encontrei no seu lugar a sombrinha xadrez que me fez falta na terça-feira, quando o céu escureceu como se viesse a maior tempestade que depois se dissipou me dando alívio, porque havia perdido a sombrinha e saí à rua como um marujo que resolve enfrentar o mar bravio. Mas tudo não passou de um mau humor de verão.
Não tenho dúvidas que os guarda-chuvas sabem mais de esconderijos do que eu. Por tudo isso, resolvi morar perto do trabalho de modo que não necessite de sombrinhas para fazer um trajeto curto. Em dias de chuva, protejo-me embaixo das marquises e com trinta passos dobro a esquina e já estou na portaria do jornal.
Libertar-me das sombrinhas é uma espécie de vingança contra todas que desapareceram sem deixar rastros: aquela vermelhinha da infância, a de estampa de flores, a prateada que mais parecia um acessório de Star Wars, a verde-musgo que encontrei num canto aqui na Folha depois de anos e, suponho, seja a mesma que usei para zanzar pelo centro no intervalo de alguns almoços.
O fato é que, apesar de tudo, gosto de chuvas e sombrinhas. Os dias úmidos vêm para lavar as cidades e as almas, depois tudo fica limpo com a promessa de dias claros nos quais as sombrinhas adormecem em algum armário, até serem de novo despertadas para um abre e fecha que parece um ritual de invocação dos deuses, porque nada dá mais proteção às nossas cabeças do que sombrinhas que recebem a chuva transformando-a em música.
No mais, acredito piamente que os guarda-chuvas só não desaparecem quando são usados diariamente pelos sujeitos que nunca saem sem ele. Um amigo, o jornalista Ariel Palacios, nunca ia à faculdade sem um guarda-chuva a tiracolo, coisas de um argentino acostumado também ao clima instável de Curitiba. Com ele aprendi que guarda-chuvas só são fieis quando levados em conta cotidianamente, como coisas essenciais, como certos namorados e namoradas que precisam de atenção constante para não corrermos o risco de serem levados pelo vento. Quanto aos gatos, ninguém sabe ao certo o que se passa em suas cabeças.