Casey Affleck acaba de ganhar o Bafta de melhor ator por seu desempenho em "Manchester à Beira Mar"
Casey Affleck acaba de ganhar o Bafta de melhor ator por seu desempenho em "Manchester à Beira Mar" | Foto: Divulgação



Mais um filme junta-se à linha de frente do Oscar onde já estão perfilados "La La Land – Cantando as Estações" e "Moonlight – Sob a Luz do Luar". Embora sejam nove os concorrentes (em safra particularmente rica em ideias e soluções cinematográficas), a estes títulos que de fato farão a diferença – a nostálgica celebração do musical e o drama racial/existencial em busca do autoconhecimento – junta-se "Manchester à Beira Mar", que estreou no Brasil em janeiro.

Lee Chandler (Casey Affleck) é um solitário que trabalha em Boston em edifício de apartamentos, como porteiro, encanador, eletricista e o que mais for preciso. Vida mais cinzenta impossível. Mesmo dominando seu gênio difícil diante das idiossincrasias dos moradores que o exploram sem concessões, ele raramente reage. E mantém uma ira contida. Pouco a pouco, à base de flashbacks, o espectador vai conhecendo a tragédia que o consome. Vivia feliz em Manchester-by-the sea, pequena cidade pesqueira em Massachusets, com sua mulher Randi (Michelle Philips) e três filhos pequenos. Uma noite de inverno, um erro involuntário e a tragédia. Consumido pelo peso da culpa, o casamento desaba, e ele jamais se perdoa pelo que ocorreu. Quem o ampara é o irmão. Joe (Kyle Chandler), e o filho menor deste, Patrick. Um dia recebe a notícia da morte do irmão, e que será tutor de Patrick, agora adolescente em plena ebulição (Lucas Hedge, ótimo). Lee terá que conviver com esta nova realidade quando voltar à cidade com suas tormentosas lembranças.



A radiografia deste homem torturado pelo remorso e pela neura é plenamente convincente. Porque os saltos no tempo da narrativa permitem ao espectador ir ligando os fios e tecendo sua tragédia que, como as gregas, tem algo de obsessivo, de inevitável, de inexorável e fatídico. O que faz de "Manchester à Beira Mar" (com certeza a distribuidora brasileira traduziu literalmente o nome da cidade) um drama diferente é o extremo cuidado e atenção que o roteirista/diretor Kenneth Lonergan dedicou ao elenco: como na tradição dos roteiros clássicos, os personagens vão ganhando pequenos detalhes de acordo com suas personalidades, e adquirindo uma indescritível sensação de realismo.

E o que dizer do Affleck caçula, Casey, magnífico em seu papel? Como um Ben bem mais adulto e completo, Casey não precisa de caretas e gestos teatrais para transmitir o terrível e permanente transe que sofre e transfigura toda sua existência. A sobriedade exterior de sua atuação se baseia no olhar esquivo, impregnado de dor e angústia. A tensão que emana de seu personagem é empática e percebida a cada momento. E isso faz com que o filme, indo e voltando no tempo, ofereça a peso descomunal que ele carrega.

"Manchester..." é obra esplêndida, na honrosa tradição das tragédias americanas. Não somente merece o reconhecimento imediato como realização com méritos indiscutíveis, como admite sucessivas visões para que uma plena degustação da grande variedade de nuances que passam despercebidas. Um filme com certeza inesquecível pela riqueza de humanidade. E extremamente fiel como reconstituição da vida em cidade pequena, marítima e tradicional, com maioria católica de origem irlandesa.

Exatamente de onde vieram os Affleck, Matt Damon (um dos produtores do filme) e o próprio diretor Lonergan. No tempo em que eram jovens e corriam atrás de uma carreira no cinema. Ainda bem que conseguiram.