Charles Bukowski: "o amor é o que você acha que outra pessoa destruiu"
Charles Bukowski: "o amor é o que você acha que outra pessoa destruiu" | Foto: Fotos: Reprodução



"O amor não passa de farol aceso à noite cortando a névoa."
"O amor é um cigarro de filtro preso na sua boca e aceso pela ponta errada.
"O amor é uma folha de papel rasgada em pedaços."
"O amor é um cavalo com a perna quebrada tentando ficar em pé enquanto 55.000 pessoas observam."
"O amor é uma velha beliscando um naco de pão."
"O amor é o que você acha que a outra pessoa destruiu."
"O amor é uma mosca esmagada."
"O amor é um banco de bar quando ninguém está sentado nele."
"O amor é a sua mulher dançando apertada nos braços de um estranho."
"O amor é a pulga que você não consegue encontrar."

Estas são algumas definições de amor criadas por Charles Bukowski (1920 – 1994). Elas estão espalhadas pelas páginas de "Sobre o Amor", antologia poética lançada pela editora L&PM.
Organizado pelo biógrafo do escritor, Abel Debritto, o volume traz poemas sem nenhum tipo de alteração editorial, completamente fiéis aos originais escritos por Bukowski. São poemas recolhidos diretamente de manuscritos datados entre 1957 e 1993. Uma parte dos poemas é inédita. Outra parte foi publicada originalmente em revistas literárias ou livros.
A visão de Bukowski sobre o amor não segue o padrão idílico. Sua visão está sedimentada com os pilares da experiência da realidade. Ou seja, o sentimento amoroso com todas suas contradições, seus atropelos, seus acidentes, suas incertezas, suas conturbações, suas insanidades. A abordagem recai sobre aquilo que o amor é. Não sobre aquilo que desejamos que ele fosse.
Os poemas que integram "Sobre o Amor" passeiam pela amplitude do sentimento, não ficam restritos apenas ao território das relações entre homem e mulher.
No poema "Eulogia", por exemplo, traz uma declaração de amor aos carros velhos. Nada relacionado a automóveis antigos, mas aos carros em frangalhos que permaneceram muito tempo nas mãos de um único dono. O proprietário que conhece cada buraco no estofamento, cada barulho de parafuso solto, cada enguiço que se repete. E no dia em que assiste o guincho rebocando o carro para virar sucata, sente a perda de uma pessoa querida. E chora como num velório.
No poema "Para os 18 Meses de Marina Louise", dedicado a filha recém nascida, o Bukowski durão, encrenqueiro e beberrão, dá lugar a um pai com o coração imerso em manteiga derretida. A suavidade com que entende poeticamente a infância surpreende: "sol / é minha pequena / menina / sol / no tapete / sol / saindo pela / porta / colhendo uma / flor / esperando que eu / me levante / para / brincar // um velho / emerge / de sua cadeira / castigado de batalha / e ela olha / e só vê / amor / no que eu me transformo / por meio de sua / majestade / de seu infinito / e mágico / sol".

Poemas felinos
Abel Debritto também é o responsável pela organização de outra coletânea de Bukowski que acaba de ser lançada pela editora L&PM: "Sobre Gatos". O volume trás uma seleção de poemas, contos, escritos e anotações sobre os felinos. Trata-se de textos em grande parte inéditos, recolhidos no arquivo de manuscritos do escritor.
Os gatos ocupavam lugar de destaque entre os animais da preferência de Bukowski. Ele achava que os gatos possuíam um tipo de sabedoria que seria um exemplo para os homens. Principalmente na independência de suas vontades. Os textos mais significativos são da época em que, na velhice, o escritor vivia cercado de bichanos. Sua grande provocação era afirmar que o gato possuía as qualidades mais nobres do diabo.
Nascido na Alemanha em 1920 com o nome de Heinrich Karl Bukowski, emigrou com os pais para os Estados Unidos em 1923, onde seu nome foi alterado para Henry Charles Bukowski. O pai americano e a mãe alemã se conheceram no campo de batalha da Primeira Guerra Mundial. Falecido em 1994, vítima de leucemia, deixou mais de 50 livros publicados.

Serviço:
"Sobre o Amor"
Autor – Charles Bukowski
Organização – Abel Debritto
Editora – L&PM
Tradução – Rodrigo Breunig
Páginas – 224
Quanto – R$ 35,90

Imagem ilustrativa da imagem O amor e outras insanidades



"Sobre Gatos"
Autor – Charles Bukowski
Organização – Abel Debritto
Editora – L&PM
Tradução – Rodrigo Breunig
Páginas – 139
Quanto – R$ 29,90

Imagem ilustrativa da imagem O amor e outras insanidades




Fragmentos


NOTIFICAÇÃO

os cisnes se afogam em água imunda,
retirem os avisos,
testem os venenos,
isolem a vaca
do touro,
a peônia do sol,
tirem os beijos de alfazema da minha noite,
coloquem as sinfonias nas ruas
como mendigos,
deixem as unhas de prontidão,
açoitem as costas dos santos,
atordoem sapos e ratos para o gato da alma,
queimem as pinturas arrebatadoras,
mijem no amanhecer,
meu amor
está morto.

(Poema de Charles Bukowski que integra "Sobre o Amor")


*

CONVERSA EM UM TELEFONE

eu via pelo agachamento do gato,
por seu jeito achatado,
que ele estava enlouquecido com a presa;
e quando meu carro chegou perto,
ele se levantou no crepúsculo
e caiu fora
com o pássaro abocanhado,
um pássaro enorme, cinza,
asas caídas como amor desfeito,
caninos cravados,
vida ainda ali,
mas pouca,
quase nada.

o periquito de coração partido
o gato anda na minha mente
e não consigo decifrá-lo:
o telefone toca,
respondo a uma voz,
mas o vejo sem parar,
e as asas moles
cinzentas asas moles,
e aquela coisa transfixada
numa cabeça sem misericórdia;
é o mundo, é nosso;
desligo o telefone
e os lados felinos
da sala
se fecham sobre mim
e quero gritar,
mas existem lugares para gente
que grita;
e o gato anda
o gato anda para sempre
no meu cérebro.

(Poema de Charles Bukowski que integra "Sobre Gatos")