Ney Matogrosso: "Eu tinha consciência absoluta de estar vivendo num país machista, preconceituoso, mas isso não me fez estacionar. Coloquei uma coisa que eu idealizava, de uma liberdade de expressão
Ney Matogrosso: "Eu tinha consciência absoluta de estar vivendo num país machista, preconceituoso, mas isso não me fez estacionar. Coloquei uma coisa que eu idealizava, de uma liberdade de expressão | Foto: Marcos Hermes/ Divulgação



O show com o artista Ney Matogrosso, da turnê "Atento aos Sinais", que estava agendado para o próximo sábado (25), no Ginásio Marista, em Londrina, foi cancelado. Segundo a produção, por questões técnicas do local, cuja estrutura não atende as necessidades de cenário e iluminação que demanda a megaestrutura. As pessoas que adquiriram os ingressos em dinheiro ou cartão de débito deverão retornar aos pontos de venda com os ingressos impressos para ressarcimento do valor. Já aqueles que adquiriram os ingressos em cartão de crédito terão suas operações estornadas, recebendo por e-mail o comprovante da operação e terão os valores creditados em sua próxima fatura em aberto.

"Atento aos Sinais", que está há quase cinco anos na estrada, é a mais longa turnê de sua carreira e deve ser encerrada em fevereiro do ano que vem. Até o momento já foi assistida por mais de 500 mil pessoas em mais de 230 shows entre Brasil, Portugal, Argentina e Uruguai. O show, baseado no DVD homônimo, é um espetáculo composto por músicas de compositores consagrados, como Caetano Veloso ("Two Naira FiftyKob") e Paulinho da Viola ("Roendo as unhas"), mas que destaca a produção de novos nomes como Criolo ("Freguês da Meia-Noite"), a banda Zabomba ("Pronomes"), Dani Black ("Oração"), o alagoano Vítor Pirralho ("Tupi Fusão") e os cariocas do Tono ("Não consigo" e "Samba do Blackberry").

Além desses, Ney também canta "Noite Torta", de Itamar Assunção, cantor e compositor que iniciou a carreira em Londrina e realizou diversos trabalhos com a Vanguarda Paulista, movimento de música experimental que nasceu na cidade com a participação de Arrigo Barnabé e Robinson Borba. Sob direção musical do tecladista Sacha Amback, o show é uma superprodução, a maior da qual já fez parte. O aparato em questão inclui quatro telas de LED que projetam imagens que funcionam como vídeo cenários. Sob a moldura da luz criada por Ney e Juarez Farinon, o cantor surge com figurinos ousados.

Antes do cancelamento do show, Ney Matogrosso havia concedido entrevista exclusiva à FOLHA na qual falou não só sobre a turnê, mas sobre sua relação com a Vanguarda Paulista, novos compositores da MPB e deu sua visão sobre o momento que o país vive.

Confira entrevista:

No show você faz um passeio por vários compositores. Há também pessoas novas da MPB. Qual foi o critério para a escolha desses novos nomes?
Era uma intenção de colocar gente nova na roda, foi intencional. Então eu saí procurando. Não tenho nenhum pudor em misturar um medalhão como Caetano Veloso ou Paulinho da Viola com gente jovem, desde que eu perceba que estamos falando a mesma língua. E o show não é monocorde, ele vai se transformando em outras coisas, então, esse repertório foi bastante compatível. E uma das coisas do show estar tanto tempo em turnê é justamente por conta desse repertório.

O que você acha desses nomes da chamada nova MPB?
Eu não sei porque eu não sigo, eu não ouço muita música. Eu ouço quando vou fazer algum trabalho. Pego tudo o que recebo, que é muita coisa, e nessa hora eu me sento e ouço. A única coisa que observo no momento é esse sertanejo tomado por mulheres.

Neste show tem Itamar Assunção. Mas você já gravou Robinson Borba e Arrigo Barnabé. Qual sua relação com a Vanguarda Paulista, que nasceu em Londrina?
Com Arrigo e Itamar tive uma relação mais profunda. "Mente Mente", do Robinson, gravei já três vezes: num disco, num filme e, de novo, no CD "Inclassificáveis"; é uma música que gosto muito porque me permite muitas cenas. E Itamar é uma fonte inesgotável de inspiração porque quando se ouve discos dele, percebe-se coisas que haviam passado. No próximo trabalho que vou fazer já "fui" no Itamar e existem três músicas dele que eu posso cantar, não que eu vá escolher as três.

Quando você surgiu com Secos e Molhados muitos o consideravam como um artista subversivo. Você se considerou quebrando ou construindo paradigmas?
Sim, me considerei. Eu tinha consciência absoluta de estar vivendo num país machista, preconceituoso, mas isso não me fez estacionar. E eu coloquei uma coisa que eu idealizava, de uma liberdade de expressão absoluta. Acho que ali algo se rompeu mesmo.

E ainda há espaço ou necessidade de rompimento?
Cada vez mais há espaço e necessidade.

Recentemente, houve até um episódio em que você se posicionou e deu muita repercussão. Qual sua opinião sobre o país que, atualmente, passa por um momento de polaridade, principalmente política?
Não é só política, mas em todos os aspectos. Mas parece que isso, agora, está regendo o momento que vivemos no planeta Terra, porque para todo lado está acontecendo. Eu fico olhando e penso que é algo que vai passar, porque isso não é o natural.

Em quais outras áreas você destaca essa polaridade?
Na política, no comportamento, o excesso de preconceito. E o excesso de preconceito gera transgressão.

Com relação ao preconceito, sobretudo sobre a questão de gênero, vemos muitos artistas hoje, se posicionando. Para você, o artista precisa, obrigatoriamente, se posicionar?
Não, obrigação, não existe. Se é de foro íntimo daquela pessoa se colocar e se posicionar, é um direito, sim. Eu sempre me posicionei, só que eu nunca me restringi à bandeira gay. Quando naquela reportagem eu falei "Gay é o caralho", estava me referindo à época em que era muito conveniente à instituição política brasileira que eu fosse um mero representante no estado da arte gay e ponto. Mas eu não sou só isso. E as pessoas têm que saber qual o contexto em que eu disse, é preciso ler. Não estou negando nem renegando nada, pelo contrário, estou querendo mais que isso, apenas.