Acredito em antídotos para o veneno do ciúme, mas foi difícil descobrir e usar. Não sou daquelas que procuram pulgas na juba do leão nem batom em lugares insólitos. Mas passei pelas provas de fogo do ciúme mais com soberba do que com o vexame, mesmo quando me contorci, pregando os olhos no teto sem pegar no sono, sentindo o choro chegar como um rio que transborda repentinamente e corre, corre, corre, até secar a nascente das emoções envenenadas, para retomar depois minha vida, lavada e limpa.

Imagem ilustrativa da imagem Meu flerte com o ciúme
| Foto: Marco Jacobsen

Não, não dissimulo o ciúme. Apenas o vivo ao meu modo, deixando o golpe cair no vazio, como faria um samurai que conhece a lâmina, a espada e outros inutensílios do amor.

Muitas vezes, senti a ira do ciúme, o vento da discórdia, sem amassar cachos de flores nem despentear os cabelos. Pensava: para que tanto movimento para disputar nacos de amores divididos? Na evolução dos romances, tratei às vezes o ciúme como a heroína da minha própria história ou aquela que dá o desfecho. Porque em vez de espernear, na morte do amor, preferi a liberdade, mas também ganhei e perdi batalhas dando e levando pauladas, desde que a provocação me suscitasse algum interesse.

Claro que flertei com o monstro do ciúme, encarei-o em ocasiões em que o encontrei à espreita em outras loiras e morenas a incendiar minha raiva. Mas sempre avaliei se o trunfo valia a exposição das vísceras, o frio no coração, a paralisia no peito. Ou se era coisa que eu poderia deixar como a bola no quintal, a boneca no canto, a lembrança no sótão, indo atrás daquilo que me proporcionasse vida, em vez de continuar a busca incansável de uma pista medíocre de endereços em carteiras, números em celular, perfumes em colarinhos.

Nessa roda-viva em que senti ciúme - às vezes saltando do trem na hora H para preservar um amor sem trincos e sem trancas - encontrei muitas vezes homens melhores que seus antecessores, maduros para a generosidade de amar sem que o amor se torne um quebra-cabeças ou uma disputa de moças de olhares vítreos, jogadas como bolinhas de gude.

Hoje, sempre que posso evito ciúme, esfriando-o com sopros como fazemos com bebidas quentes. O amor vale pelo seu banquete, não pela disputa de um prato dividido. Abaixo o self service no amor, quero apenas as iguarias.

A certa altura, aprendi também a dar menor importância às rivalidades, contanto que meu amor não tire de mim o que pertence aos dois e é insubstituível, porque cada relação tem uma configuração de prazer que não se reparte com outras pessoas. Amores verdadeiros não se reproduzem como carimbos, são obra de arte, de marfim e ébano, madeira e sândalo do oriente.

Para cada par somos aquela mulher capaz de fechar os olhos em velocidade sincronizada, abrir os lábios de um jeito único, abraçar com as pernas o que antes seria dádiva dos braços, comunicando uma originalidade de sentidos que não se reproduz em série. Então, que venham e passem as outras mulheres como carros de guerra ou ventos da discórdia.

Converti a violência do ciúme em violenta autoestima que me faz ver no espelho uma pessoa cheia de valor,e, no momento seguinte, pode estar determinada à renúncia porque “o que era de vidro se quebrou.”

Melhor do que sair irada é sair à francesa, porque amar é um ato mágico, acreditem. E se não for, acabou.

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