São Paulo - Autora de uma literatura comprometida com a criança e a fantasia, que aborda temas caros ao ser humano, sem didatismo e com uma narrativa de densidade literária, Lygia Bojunga vive um ano especial. Ao mesmo tempo em que comemora 80 anos, festeja os quarenta anos da publicação de seu primeiro livro, ''Os Colegas'', e os dez anos de fundação da editora que leva o seu nome.
Inspiração para várias gerações de escritores e apontada por muitos como a sucessora de Monteiro Lobato, Lygia nasceu em Pelotas (RS), em agosto de 1932, e se mudou para o Rio de Janeiro ainda criança. Apaixonou-se pela praia, pelo mar, pela vida que levava em Copacabana.
Antes de se dedicar à literatura, trabalhou como atriz. Participou da companhia profissional Os Artistas Unidos, em que contracenou com Fernanda Montenegro. Depois de deixar os palcos, escreveu durante uma década para o rádio e a televisão. Aos 33 anos, deixou Copacabana para viver nas montanhas.
Lygia entrou na literatura em 1972 com ''Os Colegas''. Por sua obra de estreia, recebeu o Prêmio INL (Instituto Nacional do Livro) e, em seguida, o primeiro Jabuti. Na mesma década, lançou ''A Bolsa Amarela'' e ''A Casa da Madrinha'' e, em 1980, ''O Sofá Estampado''. Essas primeiras publicações marcam a fase inicial da carreira de Lygia, conta a especialista em literatura infantil Ninfa Parreiras, estudiosa da obra da escritora e pesquisadora da editora Casa Lygia Bojunga.
''As obras fazem parte das publicações da década de 70 que consolidam a literatura brasileira comprometida com a beleza estética do texto e a abordagem espontânea. E, apesar de ser tão brasileira, é uma obra de caráter universal'', diz Ninfa.
Para a escritora e ilustradora Eva Furnari, autora de sessenta livros, ''A Bolsa Amarela'' e ''O Sofá Estampado'' têm a grande qualidade de emocionar, usando uma linguagem simbólica. ''Muitas vezes temos uma literatura bem escrita, adequada, mas sem personagens vivos. Lygia transcende. As histórias são reais, saborosas e possuem um forte simbolismo. Em 'A Bolsa Amarela', os desejos ficam guardados na bolsa. Simbolicamente é o que acontece com a gente quando não temos espaço para nos manifestar.''
No início dos anos 80, a obra de Lygia recebeu o título de altamente recomendável para tradução nos países-membros da Organização Internacional para o Livro Infantil e Juvenil e o mais importante prêmio da literatura mundial para crianças e jovens: o Hans Christian Andersen.
Para o escritor Ilan Brenman, autor de mais de cinquenta livros infantis e juvenis, Lygia representa o que há de melhor na literatura voltada para crianças e jovens no Brasil e no mundo. ''É uma autora de coragem ímpar. Penetra profundamente na alma da criança e do jovem, estabelecendo uma comunicação direta e autêntica com seus leitores'', diz.
Em 1982, a escritora se mudou para a Inglaterra e passou a dividir seu tempo entre as montanhas fluminenses e sua casa londrina. No fim da década, teve o que muitos chamam de uma recaída teatral. O período marca, explica Ninfa, uma nova fase na carreira da escritora. Ela escreveu e apresentou em bibliotecas, universidades e outros espaços culturais o monólogo ''Livro''; e criou o projeto ''As Mambembadas'', em que aprofundou suas reflexões sobre a literatura.
Na década seguinte, continuou unindo seus lados de atriz e de escritora. Encenou os sete personagens de ''Fazendo Ana Paz'' e escreveu e apresentou pelo ''Brasil De Cara com a Lygia'' e ''Depoimentos''.
Em 2002, lançou ''Retratos de Carolina'', obra que marca a estreia da Casa Lygia Bojunga, editora que publica somente os títulos da escritora. Todos têm o mesmo formato, papel, cor e poucas ou nenhuma ilustração. A partir de ''Retratos de Carolina'', passou a focar mais em jovens e adultos. Com o desejo teatral ativo, a escritora apresentou ''A Entrevista'', em que contracenava com um entrevistador invisível.
Dois anos depois, após receber incontáveis prêmios da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, da União Brasileira de Escritores e de organizações estrangeiras e nacionais, Lygia foi agraciada com o Astrid Lindgren Memorial Award (Alma), pelo conjunto da obra. A premiação, do governo da Suécia, é uma das mais importantes do mundo.
Para a escritora e tradutora Heloísa Prieto, autora de mais de cinquenta livros, o monólogo interior é o que mais fascina. ''Ela mergulha nas emoções humanas, situando o leitor num espaço atemporal, verdadeiro, que independe de modismos, tabus. Admiro sua sinceridade de narradora capaz de inserir um personagem diante da morte dos pais, por exemplo. Há a metáfora do órfão afetivo, a fantasia temível da perda, que habita todas as infâncias, a realidade dos excluídos sociais e, sobretudo, o papel preponderante do acaso que pode surpreender a vida de qualquer um. Lygia não se esquiva das questões primordiais da condição humana, pelo contrário, apresenta a sensibilidade como um caminho de enfrentamento e superação.''