Luci Collin: "Não tenho, na minha produção literária, nenhuma restrição quanto a gênero. Venho publicando, desde o início da minha carreira, poesia e prosa"
Luci Collin: "Não tenho, na minha produção literária, nenhuma restrição quanto a gênero. Venho publicando, desde o início da minha carreira, poesia e prosa" | Foto: Divulgação



"Estou admirado com o nível técnico desta jovem poeta, nesta geração que pensa que qualquer coisa é poesia", elogiou, nada menos que Paulo Leminski no início da década de 80, quando a escritora curitibana Luci Collin lançou seu primeiro trabalho de poesias, "Estarrecer", em 1984. Desde então, ela tornou-se um dos nomes mais respeitados da literatura contemporânea do Paraná. "A Palavra Algo", de sua autoria, acaba de ser premiado em segundo lugar na categoria Poesia na 59ª edição do Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira. A festa ocorre no próximo dia 30 de novembro, em São Paulo, quando outros paranaenses também serão premiados.

No livro em questão – na qual a crítica destacou seu tom irônico, a coloquialidade de alguns poemas e a imagética que reforça a intenção reflexiva dos textos - se mantém fiel às técnicas ao longo de 122 páginas. Luci Collin é formada em Letras Português/Inglês pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), doutora em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês e pós-doutora em Literatura Irlandesa pela USP (Universidade de São Paulo). Também graduou-se no Curso Superior de Piano/Performance e Percussão Clássica pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná.

"A Palavra Algo' é um livro menos experimental, em termos de forma, do que os meus primeiros livros, mas se aproxima bastante, em estilo, das minhas publicações em poesia mais recentes, como o 'Trato de Silêncios' (2012) e o 'Querer Falar' (2014 – Finalista do Prêmio Oceanos)", comenta a escritora, ressaltando que a obra não explora ou tem a prevalência de um tema mais marcante. "Contudo, em relação aos anteriores, possui poemas que apresentam uma tendência mais política e um olhar mais crítico sobre determinados assuntos", diz ela, que acaba de lançar o livro de contos "A Peça Intocada" (2017), pela editora Arte & Letra.

Embora suas obras de destaque sejam referências em poesia, Collin possui uma grande produção de contos e romances, além de ter escrito artigos e ensaios para jornais e revistas literárias. "Não tenho, na minha produção literária, nenhuma restrição quanto a gênero. Venho publicando, desde o início da minha carreira, poesia e prosa. Também já me aventurei pelo drama e tive algumas peças encenadas. Escrevi uns (poucos) roteiros para TV e ano passado concluí, em parceria com o compositor paulista Rodolfo Coelho de Souza, o libreto de uma ópera. Então, gosto do desafio da nova forma, sim, mas o desafio e o estímulo maiores serão sempre o estar com o outro por meio do texto literário", sintetiza.

PARANÁ EM EVIDÊNCIA
O prêmio Jabuti, sem dúvidas, volta os olhares à produção do Estado o que, segundo a escritora, ajuda a romper cada vez mais a invisibilidade que sempre marcou a produção fora do eixo Rio-São Paulo. "Temos grandes nomes de expressão nacional há muito já sedimentados, como Dalton Trevisan, Domingos Pellegrini, Alice Ruiz, Cristóvão Tezza, Laurentino Gomes e Paulo Leminski, que lograram vencer essas barreiras culturais, mas alguns outros valores – como Helena Kolody, Valêncio Xavier, Wilson Bueno, Jamil Snege e Manoel Carlos Karam - permaneceram mais restritos ao público e à cena paranaense", comenta, acrescentando seu otimismo na produção literária com as próximas gerações.

Apesar de nomes consagrados, ela considera que a poesia seja pouco lida e recebe pouca atenção da crítica no Brasil, ainda que dimensionar com propriedade a questão da proximidade entre público leitor e a poesia seja bastante difícil. "Nesse sentido, as publicações em mídia virtual correspondem a uma alternativa de publicação impactante e que tem ajudado em muito na divulgação da literatura – são jornais literários, revistas, sites especializados em literatura, cursos online que representam hoje o acesso a um público mais amplo e mais diversificado. Quanto às publicações em papel, vão gradualmente se tornando uma das possibilidades em meio a outras – isso, ao meu ver, é muito positivo".

MULHER NA LITERATURA
A ascensão da participação feminina no mundo se deu e se dá em vários setores e, na literatura, não tem sido diferente, apesar do espaço ainda não ser compatível com a produção. "Nós mulheres, em praticamente todas as estruturas culturais das sociedades humanas, passamos por séculos de submissão ao homem e na literatura isso sempre incidiu de modo evidente". Mas para ela, aos poucos, as mulheres estão conseguindo mostrar sua produção e conquistar seu espaço. "Muitas – como as surpreendentes Elvira Vigna e Maria Valéria Rezende – são representantes contemporâneas de tantas outras vozes femininas que as sucederam, abalaram a hegemonia dos nomes masculinos no mercado editorial, conquistando leitores, prêmios importantes e projeção".

PRÊMIO JABUTI
Divulgado há pouco mais de duas semanas, os vencedores de outras 28 categorias no Prêmio Jabuti foram anunciados e o Estado também foi destaque com os prêmios de Cristovão Tezza, segundo lugar na categoria Romance com o livro "A Tradutora"; e Renato Forin, terceiro lugar na categoria Adaptação com o livro "Samba de Uma Noite de Verão". O designer gráfico londrinense Willian Santiago foi responsável pela ilustração de "O Sétimo Gato", de Luis Fernando Veríssimo, segundo lugar na categoria livro digital, e o livro "Ana amopö – Cogumelos Yanomami", que venceu na categoria Gastronomia, foi comandado pela pesquisadora do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Inpa), a doutora Noemia Kazue Ishikawa, de Londrina.

Serviço:
A Palavra Algo (2016)
Autora: Luci Collin
Editora: Iluminuras (112 págs.)
Preço: R$ 35,00

Imagem ilustrativa da imagem Do tom irônico à força imagética
| Foto: Reprodução
Poemas DEVERAS (Luci Collin, "A Palavra Algo") o poeta finge e enquanto isso cigarras estouram pontes caem azaleias claudicam édipos ressonam vacinas vencem a bolsa quebra e o poeta finge e enquanto isso vagalhões explodem o pão adoece astros desviam-se manadas inteiras se perdem a noite range o vento derruba ninhos e o poeta finge e enquanto isso vozes racham veias entopem galeões afundam medeias abatem crias turvam-se as corredeiras o sapato aperta e o poeta finge que as mãos cheias de súbitos não são as suas ÁLBUM (Luci Collin, "A Palavra Algo") como são enormes as ossadas de animais no museu nacional ("Não se diz ‘ossos’", advertiu a tia solteirona formada em filosofia pura) quando descobri o imenso livro de anatomia de crustáceos e moluscos sob impulso científico enclausurei insetos nos vidrinhos de remédio da bisavó a bisavó chorava à toa, aliás, e zanzava pela casa ralhando (em vêneto) com fantasmas que a haviam abandonado bem ali como são enormes as lembranças quando meu pai me perdeu no mar quando minha mãe me perdeu na saída do cinema deve ter durado trinta segundos e até hoje quando o carrilhão dá cinco (que era a hora do bolinho de polvilho) sento-me pro chá solitário e folheio um atlas de imagens decorridas que se debatem como insetos e o gole tem um gosto desabitado e ermo porque perdi o código com que se argumenta com os fantasmas