Guillaume Apollinaire narra com humor as aventuras de Mony, característica que não se encontra na obra de Sade
Guillaume Apollinaire narra com humor as aventuras de Mony, característica que não se encontra na obra de Sade | Foto: Reprodução



Nos primeiros anos do século 20, o poeta francês Guillaume Apollinaire entrou em contato com os escritos de Marquês de Sade. Simplesmente pirou. Fascinado, passou considerar Sade como o "o espírito mais livre que existiu no mundo".
Nessa época os livros de Sade (1740 – 1814) eram todos proibidos por serem considerados "obras do mal". Coube a Guillaume Apollinaire (1880 - 1918) a tarefa de organizar uma antologia de textos do filósofo francês e publicá-la de forma clandestina.
Em 1907, influenciado pela literatura de Sade, Apollinaire publicou seu primeiro livro, a novela "As Onze Mil Varas". Lançado de maneira anônima e de maneira clandestina, a obra circulou de maneira invisível entre os leitores que buscavam erotismo ou pornografia. Para se ter uma ideia de seu conteúdo apimentado, o livro permaneceu proibido na França até 1971.
"As Onze Mil Varas" acaba de ganhar sua segunda edição brasileira lançado pela editora Iluminuras. A primeira saiu em 1982 pelas mãos da editora Escrita. Narra a jornada do milionário príncipe Mony Vibescu por aventuras sexuais bizarras e sem limites. Aventuras sexuais pautadas pelo excesso e suas consequências.
Cansado de ser sodomizado em sua terra natal, a cidade de Bucareste na Romênia, Mony parte para Paris onde, segundo a lenda, "as mulheres, todas belas, levam também, todas, uma vida fácil." Assim tem início uma maratona erótica onde tudo e todos passam pela ótica do sexo sem freios e por uma coleção de taras. Passa pelo sadismo, pelo masoquismo, pela coprofilia, pela zoofilia e por uma longa lista de excessos que envolvem até mesmo a pedofilia. Em alguns casos, o prazer termina em violência, sangue e morte.
Apesar de soltar todas as amarras dos porões da sexualidade, Apollinaire narra com humor as aventuras de Mony. Um humor completamente negro, mas ainda humor, algo inexistente nos escritos de Sade. Um tipo de humor que faz uso do farsesco. Mony, por exemplo, se considera um príncipe, mas na realidade é um pé-rapado oportunista dono de uma boa lábia.
Outro componente que Apollinaire utiliza em "As Onze Mil Varas", e que contradiz as teorias de Sade, é a punição. A criminalização dos excessos não faz parte da literatura de Sade, mas Apollinaire a insere em sua novela. Após sua desenfreada maratona sexual sem limites, Mony bate de frente com um limite histórico: a guerra.
Na guerra, e sob poder do inimigo, Mony é sumariamente castigado com onze mil chicotadas. E sucumbe, mesmo que berrando de prazer, mesmo em nome do excesso. Sucumbe como castigo, algo execrável na filosofia de Sade.
"As Onze Mil Varas" exige do leitor um compromisso literário, não um compromisso moral. Uma obra que ocupa lugar de destaque na lista dos grandes livros da literatura libertina. Apresenta a erotização da dor e, acima de tudo, as conexões entre erotismo e morte. Foi publicado originalmente no mesmo ano em que "As Aventuras de um Jovem Don Juan", novela com as memórias de Giacomo Casanova. Uma época em que o erotismo habitava os porões de uma sociedade de véu e grinalda.
Apollinaire foi o grande nome do vanguardismo francês do início do século 20. Com uma vida curta e intensa, esteve envolvido em diversas frentes estéticas, como o futurismo, o cubismo e a expansão da poesia no espaço gráfico. Alguns atribuem a ele a criação do termo surrealismo. Com uma existência caótica, faleceu aos 38 anos vítima de gripe espanhola em 1918. Seu túmulo foi esculpido por Pablo Picasso.

Serviço:
"As Onze Mil Varas"
Autor – Guillaume Apollinaire
Editora – Iluminuras
Tradução – Letícia Coura
Apresentação – Oscar Cesarotto
Páginas – 144
Quanto – R$ 42

Imagem ilustrativa da imagem LEITURA - Sexo, crime e castigo
| Foto: Reprodução



[left]Fragmento:

"Então Mony levantou-se e, como não tinha mais nada a esperar da justiça humana, estrangulou a menininha após lhe furar os olhos, enquanto ela soltava gritos aterrorizantes.
Os soldados japoneses entraram e então o fizeram sair. Um arauto leu a sentença no tribunal da prisão, que era um antigo pagode chinês de uma arquitetura maravilhosa.
A sentença foi breve: o condenado devia receber um golpe de vara de cada homem que compunha o exército acampado naquele lugar. A armada comportava onze mil homens."

(Fragmento de "As Onze Mil Varas", de Guillaume Apollinaire)[/left]