LEITURA - Osso e banha
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 11 de outubro de 2016
Marcos Losnak<br>Especial para a Folha2
Nos dias de hoje a gordura é tratada como um elemento maligno. Uma verdadeira praga a ser eliminada do prato e do corpo das pessoas.
Mas nem sempre foi assim. Até a primeira metade do século 20, os gordos estavam na moda. Ser obeso significar ser rico e poderoso. Por outro lado, ser magro era um sintoma de penúria.
Em "Gordos, Magros e Obesos Uma História do Peso no Brasil", a historiadora Denise Bernuzzi de SantAnnna mostra como a ideia de pessoa gorda e pessoa magra foi se transformando através do tempo. E como o peso de homens e mulheres sempre esteve vinculado às relações sociais.
Até o início do século 20 não era utilizado o termo obesidade. A designação mais usual era corpulência, quase uma extensão de prosperidade a capacidade de armazenar e acumular. A magreza era vinculada à pobreza e à fraqueza, a verdadeira identidade brasileira diante da falta de alimentos.
Segundo a autora, esse quadro começa a se alterar a partir da década de 1950: "De fato, até a década de 1950, o receito de ter um corpo destituído de forças ou de conceber filhos mirrados, com corpos no estilo cipó, espeto ou palito, dificultava a desvalorização do gordo. Nas famílias abastadas, as mulheres magérrimas levantavam por muito tempo a suspeita de terem alguma paixão recolhida ou de sofrerem dos nervos, enquanto os jovens ricos secamente magricelas teimavam em lembrar os neurastênicos. A fartura à mesa insistia em lembrar corpos capazes de desenhar curvas em meio à carne e, também, à generosidade, ao riso e à tranquilidade."
Resumindo: gordura significava formosura, As mães faziam de tudo para terem bebês rechonchudos repletos de dobrinhas. Filho mirradinho representava o fracasso da mãe enquanto genitora.
Com o êxodo rural e a industrialização brasileira após a década de 1950, a ideia de gordo e magro sofreu profundas transformações. Surgem as primeiras balanças nas farmácias, os primeiro supermercados com produtos a disposição das mãos, os primeiros alimentos industrializados, os medicamentos para controle de peso e dietas femininas mirabolantes. A pança masculina até resistiu aos apelos dos regimes, mas o enaltecimento da barriga tornou-se fora de moda com o decorrer do tempo.
Na década seguinte, nas palavras de Denise SantAnna, a propaganda e a publicidade deixaram as coisas bem mais cruéis: "Nos anos de 1960, as comidas da moda consideradas chiques resplandeciam em anúncios que pareciam vincular o sonho da ascensão social a coquetéis de camarão com maionese, entre outras bossas. Muitas delas não eram acessíveis à maior parte da população do Brasil, um país atravessado costumes culinários muito diversos e assolado pela má nutrição e pela fome. O hábito de usar a rapadura nas refeições para adoçar o café ou para misturar com fubá de milho torrado integrava as refeições de muitas famílias que não tinham o costume de comprar açúcar nem dinheiro para integrar a alimentação diária com o consume de carne bovina."
Lançado pela editora Estação Liberdade, "Gordos, Magros e Obesos" deixa claro que sempre houve ambiguidade sobre a correlação de poder entre gordos e magros. Em alguns momentos históricos, os magros eram enaltecidos, em outros os gordos eram reverenciados. Uma espécie de revezamento de forças ocorreu ao longo da história e ainda está em curso. O grande e recente elemento está na obesidade chegar à categoria de epidemia mundial.
Serviço:
"Gordos, Magros e Obesos Uma História do Peso no Brasil"
Autor Denise Bernuzzi de SantAnna
Editora Estação Liberdade
Páginas 184
Quanto R$ 39