Torquato Neto (1964): uma das melhores cabeças de uma geração que entrou em parafuso
Torquato Neto (1964): uma das melhores cabeças de uma geração que entrou em parafuso | Foto: Fotos: Reprodução



Torquato Neto chegou em casa na noite de 10 de novembro de 1972. Vinha de uma animada festa. No dia anterior havia completado 28 anos de idade.
Estava com a cabeça conturbada. Escreveu um bilhete ao filho de dois anos que dormia no quarto na companhia da esposa. Depois entrou no banheiro, vedou porta e janela, e abriu o gás do chuveiro.
Seu corpo foi encontrado na manhã seguinte ao lado do bilhete suicida que dizia coisas como: "Tenho saudades como os cariocas do tempo em que eu me sentia e achava que era um guia de cegos. Depois começaram a ver, e, enquanto me contorcia de dores, o cacho de banana caía. De modo que fico sossegado por aqui mesmo enquanto dure."
Em homenagem aos 45 anos de morte do poeta piauiense, a editora Autêntica lançou no final de dezembro "Torquato Neto Essencial", volume organizado pelo professor Italo Mariconi. O livro traz uma antologia que pretende apresentar às novas gerações a obra de Torquato em várias áreas de produção: poemas, letras de músicas, artigos, textos jornalísticos, anotações, cartas, manuscritos, diários, etc.
Apesar de sua grande produção, Torquato Neto nunca publicou um livro em vida, seus escritos ganharam forma de livro apenas postumamente. Seu primeiro livro saiu em 1973, um ano após sua morte, organizado por sua viúva e pelo poeta Wally Salomão. Intitulado "Os Últimos Dias Paupéria", hoje o volume pode ser encontrado apenas nas mãos de colecionadores.
A segunda edição saiu em 1982 pela editora Max Limonad devidamente ampliada com a produção de textos jornalísticos de Torquato publicados em jornais cariocas entre 1966 e 1972. A terceira edição apareceu em 2003 com um novo título, "Torquatália", novamente ampliada e dividida em dois volumes lançada pela editora Rocco.
Torquato Pereira de Araújo Neto nasceu em Teresina, Piauí, em 1944. Aos 16 anos, mudou-se para a cidade de Salvador, onde conheceu Gilberto Gil, Caetano Veloso e Glauber Rocha. Em 1962 foi para o Rio de Janeiro onde se tornou o grande poeta do movimento tropicalista.
Seus poemas foram transformados em canções por compositores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé, Luiz Melodia, João Bosco, Edu Lobo, entre outros. Entre suas letras mais conhecidas estão "Geleia Geral", musicada por Gil em 1968, e "Mãe, Coragem", musicada por Caetano em 1967. "Go Back", poema musicado pelo grupo Titãs em 1988, também está entre as letras mais conhecidas.
Embora pequena, a seção mais marcante de "Torquato Neto Essencial" é justamente aquela que traz a produção poética de Torquato. Trata-se da alma da escrita do poeta sem a distinção daquilo que é letra de música (oralidade) e aquilo que é poesia (escrita). É possível encontrar influências do cancioneiro popular, da poesia concreta, da poesia marginal, do lirismo clássico, do "udigrudi tupiniquim", enfim, linguagens iluminando a noite e suturando feridas.
Vale também destacar a linguagem desenvolvida em alguns dos textos jornalísticos de Torquato. As primeiras linhas de um texto de 1971 servem como exemplo: "Ligue o rádio, ponha discos, veja a paisagem, sinta o drama: você pode chamar isso como bem quiser. Há muitos nomes à disposição de quem queira dar nomes ao fogo, no meio do redemoinho, entre os becos das tristíssima cidade, nos sons de um apartamento apertado no meio de apartamentos. Você pode sofrer, mas não pode deixar de prestar atenção."
Torquato Neto pertence ao universo das melhores cabeças de uma geração que entraram em parafuso. Passou duas temporadas internado em hospícios devido ao excesso de álcool e substâncias lisérgicas. Em sua passagem pelo Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, manteve um diário de internação que se inicia com as seguintes palavras: "Um recorte no meu bolso, escrito ontem cedo, ainda em casa: quando uma pessoa decide morrer, decide, necessariamente, assumir a responsabilidade de ser cruel: menos consigo mesmo, é claro, e isso é que é mais duro: ser nojento com as pessoas a quem se quer mais bem no mundo."

Imagem ilustrativa da imagem LEITURA - A poesia do coração das canções



Serviço:
"Torquato Neto Essencial"
Autor – Torquato Neto
Organização – Italo Mariconi
Editora – Autêntica
Páginas – 240
Quanto – R$ 57,90

[left]Fragmentos


COGITO

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desfolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim



***


Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso ou nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso.

(Fragmentos que integram "Torquato Neto Essencial")[/left]