Francisco Mignone e Josephina nos anos 70
Francisco Mignone e Josephina nos anos 70 | Foto: Reprodução



A música uniu Maria Josephina e Francisco Mignone (1897-1986) desde o início. O encanto entre a pianista e professora e o compositor e regente se deu numa aula inaugural seguida de recital, em março de 1964: ele ao piano executando suas famosas Valsas de Esquina, ela, na última fila, deleitando-se. Estavam às vésperas do golpe militar, mas para os dois o tempo era o da delicadeza. Bastou aquele encontro para seguirem juntos pela vida, sempre ao som das melhores notas.

O namoro foi marcado por uma intensa correspondência, entregue em mãos - os dois moravam em um bairro praiano da zona sul do Rio. As missivas ajudariam, mais tarde, a aplacar as saudades durante as viagens de trabalho. Aos 93 anos, Maria Josephina, a Jô de Mignone, está lançando "Cartas de Amor", um livrão que reúne, em 405 páginas, além da correspondência, disposta cronologicamente, reproduções de originais, fotos e textos sobre a história dos dois.

Já na primeira carta, derramava-se: "Jô, meu amor (...) Eu era um ser cético, uma flor sem perfume. Sentia-me como um homem apático em vias de atingir uma velhice pessimista. E você veio. (...) Beijo-lhe as mãos, os olhos queridos e as 'covinhas adoradas'". Em outra, definia-se: "Vivo na euforia de tudo o que me vem de você".

Quando conheceu o maestro, a concertista tinha 39 anos e ele, 65; um ano depois, nasceu a filha do casal, Anete. A diferença de idade não pesou, diz Josephina, cujo vigor impressiona. "Francisco Mignone foi um mestre em todos os pontos de vista. Era genial, e tinha a alma tão pura, tão rica em sentimentos, que eu queria que as pessoas conhecessem. O livro ficou interessante, e já tem pessoas interessadas em fazer um filme", conta a viúva, sem adiantar detalhes.

Desde 1990 ela mantém, com a contribuição de 50 associados, o Centro Cultural Francisco Mignone, uma sala em Copacabana com piano de cauda e 40 lugares sentados, onde já foram realizados mais de 500 concertos, com repertório variado. Faz parte de seu esforço, dividido com a filha, para perenizar a obra.

Os originais estão guardados na Biblioteca Nacional, que, segundo ela, "sepultou" a obra. "Doei para que os mais jovens pudessem ter acesso às partituras e executá-las, mas não há acesso. Foi a pior coisa que eu fiz", ressente-se Josephina, referindo-se à dificuldade de se copiar as partituras. Posteriormente, foram disponibilizadas cópias para os interessados por meio da Academia Brasileira de Música. "Este ano serão 120 anos dele e não tem uma homenagem programada. Só se fala dos 130 anos de Villa-Lobos."

Nascido em São Paulo, filho do flautista italiano imigrante Alferio Mignone, Francisco se fixou no Rio em 1934, depois de estudar, compor e reger na Europa. Foi professor de regência do Instituto Nacional de Música e diretor do Teatro Municipal do Rio.

Representante do nacionalismo na música erudita, compôs sob a influência da ritmos populares e da literatura brasileira. Apelidado "o rei da valsa" pelo amigo Manuel Bandeira, frequentador de seus saraus junto com Carlos Drummond de Andrade, Antônio Houaiss e Alfredo Volpi, tem 1.024 obras catalogadas, a maior parte, para piano solo, mas também óperas, operetas e balés. Com a mulher, se apresentava em duo de pianos. Ainda hoje, Mignone é tocado no mundo todo - é comum chegarem direitos autorais referentes a execuções em países como a Austrália e a Finlândia.
O livro será lançado no dia 29 de abril, às 18h, na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, em São Paulo, com concerto de Josephina, no repertório composições de Mignone, é claro.