A atriz Irene Ravache, 63 anos, estréia, em julho, o espetáculo ''A Reserva''. Na peça ela interpreta uma chef com dificuldade de se adaptar às mudanças. A artista, ao contrário, tem um jogo de cintura que permite resolver com uma gargalhada o incômodo causado pelo martelo e pela furadeira do apartamento em reforma ao lado do seu.

E sem estrelismo. Mas Irene, que é estrela da Globo, tem seus momentos de purista, como a personagem do teatro. É crítica dos reality shows e da juventude que toma cerveja ao meio-dia. Ela também não se importa se a olharem torto porque está fora do ''último grito da moda''. Tanta auto-estima, entrega, vem de anos de terapia.

''A Reserva'' fala sobre uma chef cujo restaurante começa a decair. O que a atraiu nessa história?
O que me atraiu no texto foi que vi lugares assim aqui em São Paulo. Restaurantes lotados, com fila na porta, e ao lado um vazio. Sempre me perguntava: por que as pessoas continuam na fila e não vão ao restaurante ao lado? Aí comecei a experimentar esses restaurantes e descobri comidas ótimas. Às vezes, não tão boas quanto às dos outros restaurantes, mas boas. Por que estava vazio? Mistério. Traçando um paralelo com a minha profissão, às vezes há textos ótimos sendo encenados, aplaudidos de pé pelo público, mas o teatro não lota. E outra produção, não tão purista, com mais falhas, aparece mais. É um mistério.

Você preserva esse purismo?
Faço a minha escolha e banco. Nesse texto, inclusive. Depois de um sucesso de quatro anos com (a peça) ''Intimidade Indecente'', as pessoas falavam: ''e agora, o que você vai fazer?''. Mas não fui procurar uma coisa que tivesse um cheiro de sucesso, fui procurar um texto em que acredito.

Fugiu do sucesso?
Não. Eu não fujo do sucesso. É que o sucesso não está nas suas mãos. Ele acontece ou não, não existe fórmula. E não gosto de coisas muito oportunistas. Achei que era uma boa ocasião para falar isso (pausa). O jovem desse texto da Marta Góes (roteirista) ousa menos do que o mais velho. Quando digo jovem, vai até 30, 40 anos. Está mais acomodado.

Como na vida real?
Sim. O que percebo quando passo perto das universidades é que tem muitos bares já lotados ao meio-dia, provavelmente desses jovens (universitários), sempre com garrafas de cerveja. E ligo essa combinação ''cerveja ao meio-dia'' mais ao entorpecimento que à criatividade, a algo combativo. Aquelas pessoas não me parecem combativas, criativas, me parecem repetindo um modelo letárgico.

Diferente da sua geração?
Um pouco diferente da minha. Não que a minha geração não bebesse ou se drogasse. Mas não ao meio-dia... Nós vivemos num País onde é enaltecido beber, como se não fosse prejudicial. Se não bebe, não é da galera.

Você não bebe?
Assim não. Bebo vinho. Mas não vejo o álcool como promessa de felicidade, como é vendido nas propagandas. Você está sempre feliz e as pessoas são sempre bonitas. E o que vejo não são pessoas bonitas. Vejo pessoas enxovalhadas, parecendo um lençol amassado. Não são jovens saudáveis. É uma geração comprometida com uma dependência química, que é o álcool.

O que falta?
Falta um olhar ao outro. Claro que estou numa idade em que tenho mais paciência e compaixão, mas já tinha isso antes. Esse individualismo não é promessa de vida eterna. Mesmo porque você está falando com uma pessoa que não crê em absolutamente nada que virá depois. E não quero saber. Se alguém me falar ''posso te afiançar que vai encontrar parente, Jesus ou Buda'', não quero saber. Quero que seja uma grande surpresa.

Então, não tem medo da morte?
Tenho medo, sim. Não gostaria de morrer, acho viver muito bom. Mas não quero certeza. A incerteza dá um incômodo para ir atrás. Qual vai ser a graça se já souber o que vou encontrar? Esse incômodo tira você da cadeira (risos). Levo isso para minha vida. Eu arrisco. Mas não sem medo.

Na TV, por exemplo, arriscou mudar de emissora várias vezes.
Acabei de me dando bem com isso. Hoje, tenho contrato com a Rede Globo, pela primeira vez por um tempo maior. Quando terminei ''Intimidade Indecente'', achei que podia dar um espaço sem teatro. E agora posso fazer teatro porque estou sem novela. Provavelmente, no final do ano, venha a ser escalada. Encaro minha carreira como contratada da Globo com a mesma seriedade com que encaro minha produção de teatro. Tem gente que diz que gosto mais de teatro. Não. Teatro é o meu negócio. Sou produtora de teatro, não de TV. Mas gosto do teatro, da TV, do cinema. Na televisão, não me poupo só porque posso gravar de novo. Estudo à beça.

É caxias?
Sim, caxias (risos). Estudo, leio a novela inteira. Há uma tendência de ler só a sua parte. Eu não, preciso estar bem informada sobre a trama. Faz parte do acabamento do meu trabalho. Em ''Eterna Magia'', eu e (o ator) Osmar Prado chegávamos mais cedo para saber o que o outro tinha estudado.

Você foi muito elogiada por aquele papel por abdicar da vaidade.
Eu fazia de cara lavada e acentuava coisas que normalmente você quer atenuar (risos). Tinha sobrancelha cerrada e vincos, rugas e olheiras eram reforçados. Ela era assim. Existe a vaidade de mulher e outra do ator, que é tentar fazer o que sente da personagem, o que o diretor quer.

E a vaidade feminina, tem muita?
Se vou sair ou tirar foto, faço maquiagem, cabelo. Tenho vaidade, o que não tenho é o exagero. Não vejo ruga, envelhecimento como algo preocupante. Queria ter uma cara mais jovem? Meu corpo de 20 anos? Lógico. Mas não faço essa corrida contra o tempo, porque vou perder e porque ganhei coisas de que gosto muito.

O que ganhou com o tempo?
Sou mais tolerante, não me importo com certas coisas, perdi alguns medos. Principalmente depois dos 50, você diz ''meio século, será que tenho que dar tanta importância para algumas coisas?''. Pelo fato de morar às vezes sozinha no Rio de Janeiro (a casa da família é em São Paulo), descobri que preciso de pouca coisa. Por exemplo, não preciso estar no último rigor da moda para ir a lugar nenhum. As pessoas vão olhar, mas não perco a vontade de ir por isso.

Isso é uma auto-estima altíssima?
É um conjunto. E vem de eu me trabalhar. Fiz terapia por muitos anos, o que me ajudou a ser menos implicante, rabugenta. Hoje, procuro minha terapeuta às vezes. Tem uma hora em que você pensa ''quero ser uma velhinha chata com netos, noras?'' Não. Quero me dar bem com as pessoas, dar risada no trabalho.

Não tem rabugice com ator mais novo ou ex-BBB que vira ator?
(Com ator mais novo) Não. Ex-BBB é outra coisa, não considero ator. Tem a Grazi (Massafera) que agora está estudando. Mas não gosto do BBB, não tenho a menor curiosidade em olhar a vida dos outros. Gosto é da ficção, como espectadora. Sou de ação. Se eu olhar pelo buraco da fechadura, vou entrar (risos). E fico sabendo pelas pessoas que o que é dito no programa não acrescenta em nada. Depois, não acho um bom exemplo pessoas que vão ficar trancadas num quarto.

Falar sobre maus exemplos, excesso de bebida e até sobre o problema que um de seus filhos teve com drogas é uma forma de alertar?
Gosto de falar sempre que acho que uma experiência minha pode ajudar. Mas me aborreceu uma vez quando saiu em uma revista a legenda ''Irene salvou o filho das drogas''. Não é assim. Isso foi uma falta de respeito com mães que não estão ''salvando seus filhos''. Ficou parecendo que estava dando uma de heroína, quando não é verdade. O que diria para as mães é que existe um medo de vigiar, de dizer não. Mas não só pode como a lei está do seu lado. Quando há um membro da família envolvido com drogas, acontece uma vergonha e a tendência é a pessoa se isolar. Não, precisa abrir a boca. Partilhar a vergonha e a dor é muito bom.