Se pudesse citar a escritora Lia Luft, a ex-primeira-dama dos EUA, Jacqueline Kennedy, personagem central do filme "Jackie", diria que "entendi que a vida não tece apenas uma teia de perdas, mas nos proporciona uma sucessão de ganhos. O equilíbrio da balança depende muito do que soubermos e quisermos enxergar".

"Jackie", com prognóstico de estreia difícil para Londrina dadas suas peculiaridades distantes da ortodoxia narrativa, resgata os quatro traumáticos dias de Jacqueline Kennedy a partir do 11 de novembro de 1963, quando o presidente John F. Kennedy foi assassinado em Dallas. E descreve como esta mulher se converte em mito, mostra esses dias em que ela teve que deixar para trás toda inocência e enfrentar todo um governo. A vida de Jacqueline é, portanto, reconstruída em seções através de diálogos.

O diretor e co-roteirista chileno Pablo Larrain ("No" e "Neruda") sempre coloca o personagem em confronto com alguém. Bobby Kennedy, sua assistente pessoal, Nancy, o presidente Johnson, o jornalista que quer contar sua história ou um padre católico. Cada um deles representa algo naquele momento da sua vida presente ou no passado dela. São situações ou pessoas que deverá enfrentar se quiser seguir adiante. O cunhado Bobbly representa a superproteção em que ela viveu quando se uniu ao clã dos Kennedy; a secretária Nancy está um passo adiante e nunca a deixa pensar por ela mesma; Johnson e a Casa Branca são um apoio pro forma que não dão muito importância à sua opinião; o jornalista é a clara representação daquilo que está por vir, a vida que a espera. E a conversa com o padre católico (John Hurt, já de saudosa memória) parece ser o seu confessionário, sua porta para o desabafo.

"Jackie" é um desses trabalhos introspectivos e íntimos nos quais Larrain é mestre. O manejo das emoções de seus atores como recurso narrativo é sua melhor marca. Sem qualquer dúvida é um filme que explora a ilusão perdida sobre a dor. E esse é o ponto de análise da personagem título proposto por Pablo Larraín. A viúva de Kennedy é, de fato, retratada como uma pessoa frágil, indefesa, sensível, agitada, assustada, sozinha e impotente. O homem que foi seu apoio de repente se torna uma carga.

Em que pese a devoção que o diretor demonstra por sua rotagonista, existem muitos elementos em "Jackie" que distanciam o filme da cinebiografia mais tradicional e hagiográfica. E isto também muito se deve a escolha de Natalie Portman, uma das nominadas ao Oscar de melhor atriz.

Em uma magnífica sequência, a câmera de Larrain se separa da cara de Portman e voa sobre o imenso cortejo fúnebre numa Washington aturdia e em silêncio, e logo se centra na deposição do caixão e depois vai até os olhos da viúva, como se o público a observasse diretamente. Nesse momento Jacqueline Kennedy desaparece e nasce Jackie, a mulher que renasce de sua própria dor e que começa uma nova vida. Aqui muda também a expressão de Natalie Portman – de mulher sempre submissa forçada a sorrir ela passa a uma mulher que,sem medo, enfrenta toda uma administração. Esta é chave da magnífica atuação da atriz, que expressa poderosas e reais expressões faciais marcadas por todos seus estados de ânimo.