Os poetas escondem-se na internet. É a partir do universo virtual que eles difundem seus versos, ideias e provocações. Talvez por isso, grande parte da produção contemporanea brasileira permaneça distante dos leitores habituados aos livros.
A paulistana radicada em Londrina, Beatriz Bajo, é uma das muitas vozes que publicam seus textos na web. Formada em Letras, tem um livro inédito na gaveta, batizado de ''Varal de Ideia Fixa''. ''É um volume pequeno, de 30 páginas e com 28 poemas. O título faz alusão à ideia de retalhos, de pedaços de coisas a serem expostas'', explica ela.
A obra foi enviada para algumas editoras e amigos que têm contatos com editoras. A autora aguarda respostas. Enquanto isso, toca suas atividades literárias atuando em diversas frentes na rede. Além de manter um blog (www.lindagraal.blogspot.com), edita a seção literária de um site (www.armadilhapoética.com) e escreve resenhas para outras publicações virtuais.
''Essa história de que ninguém lê poesia não é verdade. Tem muita gente nova produzindo e muita gente lendo na internet. Quando coloquei anúncios de meu blog em alguns sites, o retorno foi enorme'', salienta. Segundo ela, quase toda produção literária na rede é feita apenas por paixão e prazer dos autores: ''A literatura toma muito tempo, mas muitos dos que se envolvem com revistas online não ganham um tostão para fazê-las. Há uma grande precariedade de recursos nesse meio, falta patrocínio'', lamenta.
Beatriz vive em Londrina há dois anos e meio. Veio do Rio de Janeiro, onde passou a adolescência e fez faculdade. Lá, intensificou a paixão pela poesia que a acompanha desde criança. ''Eu escrevia trovinhas no Dia das Mães'', conta. Ainda pequena, recebeu incentivo do pai que lhe apresentou uma antologia de poemas de Vinícius de Moraes, revelando todo aquele mundo de rimas e sonetos.
A partir dos 13 anos, passou a escrever sem parar numa fase de descobertas e mudanças típicas da idade. ''Naquela época, já sabia o que queria seguir e minha maior frustração era ficar muito tempo sem escrever. Achava que a inspiração iria acabar'', lembra. Já no Rio, o ambiente universitário colocou a autora em contato com gente que tinha as mesmas inquietações.
Fez oficinas de poesia, participou de antologias, foi premiada em concursos literários, viveu poesia dia e noite. Aprendeu com professores, mas nunca colocou a bagagem acadêmica à frente da intuição durante o processo de criação poética. ''Antes de conhecer os grandes poetas, eu já tinha noção de ritmo por escrever desde criança'', diz.
''A poesia veio antes que o estudo. Por isso, não acredito em poema acorrentado à formação teórica. Às vezes, o sujeito valoriza mais a forma que o conteúdo e acaba não tocando ninguém com seu texto''. Para a autora, a poesia ''tem que salvar a alma'' do leitor: ''Poesia, para mim, tem uma coisa de carne e de corte: é uma experiência visceral. Uma poesia verdadeira transforma a pessoa. Não tem como sair o mesmo do impacto que ela provoca, mesmo que seja uma experiência doída''.
Embora reverencie Carlos Drummond de Andrade, a autora se diz mais influenciada pela prosa de Clarice Lispector do que por poetas. De acordo com ela, a inspiração poética pode surgir a qualquer momento e em qualquer lugar, mas sua manifestação ocorre de maneira única para o poeta. ''Todo mundo pode estar observando uma mesma paisagem, mas o poeta traz um olhar diferente, como se tivesse um filtro para captar um fio de delicadeza daquilo. Tem que estar antenado para as situações e sensações'', assinala.
Apesar da vigília permanente, Beatriz não escreve todos os dias. ''Sou de guardar, de deixar os versos em incubação até que eles incomodem e se transformem numa febre'', revela. Ao virem à tona, seus leitores é que saem ganhando.


Comer borboletas
1/2.
cada beijo é como comer borboletas
para que as matizes de dentro se libertem, se debatam
no assanhar das asas
entre os predicados que traquinam no diafragma
que raia em transversais contrações
ventos adverbiais
1/3.
assim que se deitou
sobre meu pé tão delicadamente
trouxe-me algo de fenda
algo de talho, latente
entre os batentes da minha janela
adentrando pelos basculantes
roendo as sementes
2.
o dia inteiro nascia dentro de mim