"Aliados" é um filme clássico de espionagem, encharcado de charme nostálgico
"Aliados" é um filme clássico de espionagem, encharcado de charme nostálgico | Foto: Reprodução



Quando, em 1985, o diretor Robert Zemeckis realizou o cult "De Volta para o Futuro", não previu, três décadas mais tarde, que ele mesmo faria um novo mergulho no tempo. Mas em viés retrô, ou old fashioned. Ou ainda vintage, se preferirem. O veículo utilizado agora não é mais o bólido de quatro rodas DeLorean modelo DMC-12, mas todo o espírito "back to the past" à procura de um tempo cinematográfico que a produção pretendeu recapturar, através de um subgênero precioso para a cinefilia: o romance clássico de espionagem, encharcado de charme nostálgico. Não à toa "Aliados" - em pré-estreia no circuito local e lançamento normal a partir da próxima semana - inicialmente crava sua vistosa bandeira de thriller romântico na emblemática Casablanca, para na segunda metade estabelecer a base da intriga em Londres, outro território de espiões apátridas. Mas vamos por partes.

Com um generoso orçamento de 85 milhões de dólares, Zemeckis repetiu agora a fórmula, em tom e estrutura clássica, daquela "Ponte de Espiões" que Steven Spielberg narrou há três anos. O resultado formal é tão bem sucedido quanto naquele longa metragem com Tom Hanks sobre a Guerra Fria, mas em "Aliados" a narrativa é desprovida do binômio tensão-eficiência imprimido por Spielberg, um consumado mestre contador de histórias. Mas a expertise de Zemeckis também é bem considerável, e alguém que assinou a trilogia "De Volta para o Futuro", "Tudo por Uma Esmeralda", "Forest Gump" e "Naufrago", entre outros, não deixaria de apresentar uma produção com os prazeres - e também algumas limitações - daquelas de "antigamente".



Sem spoilers: em 1942, dois espiões – uma mulher e um homem – são enviados ao Marrocos em missão mais ou menos suicida. Lá, devem passar como marido e mulher e liquidar um oficial nazista. Como se trata de Hollywood, eles não apenas sobrevivem como se casam e tem uma filha. Mas esse é apenas o ponto de partida, e não convém adiantar mais nada – embora o espectador deva ficar atento porque a segunda metade é bem mais intrigante e interessante, porque Zemeckis questiona as possibilidades éticas dos espiões, construindo sua história ao revelar ambiguidades de uma zona cinzenta onde se defrontam suspeitas, armadilhas e dúvidas. E isto sem perder de vista o que podemos chamar de classicismo narrativo.

Claramente a evocação inicial é "Casablanca" de Michael Curtiz, mas em pouco tempo recorre-se aos "Bastardos Inglórios" de Tarantino, à literatura de Le Carré e até a um corre-corre recente como "Sr. e Sra. Smith", com Pitt e sua ex-Jolie. Para constar: aqui Pitt é oficial canadense trabalhando para a inteligência britânica. E Marion Cotillard é agente da resistência francesa. O romance é essencial para a trama, temperada por alguns atritos sexuais. Há momentos épicos e menos cenas de ação, como essas que abundam no cinema contemporâneo. A química carismática e o glamour dos intérpretes, a impecável reconstrução de época e o look retrô com certeza deverão bastar para que o espectador se esqueça de tantos super-heróis, sagas fantásticas e produtos concebidos em vertigem rollercoaster.

"Aliados" representa uma fascinante oportunidade para uma conversa franca e amena sobre o classicismo cinematográfico, já que o filme respeita – talvez até demais, ao ponto da imitação – os códigos e a estética do cinema clássico dos anos 1940. Mas a dúvida que se coloca é até que ponto esta imitação de um modelo não é outra coisa senão o exercício de estilo carente de verdadeira paixão. Assim, aquilo que chamamos de clássico se tornaria meramente acadêmico, velho, sem vida. Há contradições na estética praticada por Zemeckis. Seu apego ao classicismo é mesclado com ostensivos efeitos digitais (obsessão do diretor), muito claros em várias sequências. Essa digitalização das imagens dificulta a captação do clima das produções ainda da primeira metade do século passado. A "magia clássica" simplesmente desaparece por conta da perda do contraste entre as imagens a cores do celuloide e as eletrônicas do digital.