Errei tanto tentando acertar. Bati a canela na quina da mesa, esfolei os joelhos e os cotovelos no chão. Fiz tantas cicatrizes no coração, que depois de remendado ficou parecendo a cara do Chuck: o brinquedo assassino. Bebi altos porres pra esquecer que era tímido, que tinha uma consciência, que detestava balada e achava tudo aquilo um devaneio tolo e inútil. E acordava com uma ressaca danada de mim mesmo. E enfiava a cara nos livros pra sentir aquilo que não sentia na vida real. E traçava diálogos e acontecimentos imaginários na cabeça, para tentar corrigir o que de fato aconteceu.
Tudo em nome de uma felicidade que não sabia onde começava ou terminava. Em busca de algo que preenchesse o oco do peito. Daquele sonho bom que me fez acordar com um sorriso no rosto pela manhã, sem que eu me lembrasse do que se tratava. E acreditei em tantas mentiras, menti tanto em busca de uma verdade. E ninguém, ninguém mesmo, conseguiu me ver através da couraça em que me escondo. Ninguém falou a mesma língua que eu por mais de uma hora. Nem conseguimos nos comunicar com linguagem dos olhos ou do silêncio. Tudo foi uma ausência presente. Uma impossibilidade de contato. Um monte de frases soltas, de longos silêncios que diziam mais que conversas banais, porém incompreendidos. Uma ânsia de fugir para depois ter um reencontro. De preencher o seu corpo com o meu, para esquecer por instantes que ambos se sentiam vazios. Mas o sexo dura muito pouco, a paixão dura muito pouco. E o que dura é a saudade, não do passado que tivemos, mas do futuro que poderíamos ter.
Já me acostumei com essa angústia que às vezes me faz franzir os olhos, que dá azia no estômago, que me faz sair às ruas, desesperado, em busca de alguém pra conversar só pra fingir que está tudo bem, e o pior é que finjo tão mal. Que me faz procurar rostos bonitos ao dia, para passear de mãos dadas e exibir na rua como se fosse um troféu. Que me faz procurar corpos fáceis na madrugada, pra descarregar uma volúpia descontrolada. E que me faz sentar diante de um computador para dizer por meio de palavras digitadas aquilo que nunca consegui dizer diante de seus olhos. E mesmo que dissesse, mesmo que você lesse, não iria compreender. Porque entre nós há um abismo, e nenhum de nós tem coragem de se jogar na esperança de nos encontramos no fundo.
Fico na beira do precipício, com um frio na barriga, sentindo o vento no rosto.

Ricardo Chagas é professor em Cândido de Abreu e Ivaiporã