Há quem diga que o clarinete é o instrumento que, de tão sublime, mais nos aproxima dos céus. Agora imagine o que ocorria quando ele era tocado pelo maior craque do pedaço, por um músico genial. Pois bem, essa voz capaz de elevar o profano ao sagrado foi silenciada com a partida de Paulo Moura, na noite de segunda-feira (12). O clarinetista e saxofonista, de 77 anos, estava internado desde o último dia 4 na Clínica São Vicente, zona sul do Rio, e realizava tratamento para tentar curar um linfoma. O corpo do músico será velado no Salão Nobre do Teatro Carlos Gomes, das 11 às 16 horas.
Nascido em 1933, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, filho do também clarinetista e mestre de banda Pedro Moura, Paulo era irmão dos trombonista Valdemar e dos trompetistas José e Alberico, e partiu para as primeiras aventuranças e incursões musicais nos salões de gafieiras e nos cafés da Praça Tiradentes.
Com facilidade de aprendizado e ouvido apuradíssimo, assombrava seus professores, primeiro na Escola Nacional de Música, depois com mestres do porte de Moacir Santos, com quem estudou orquestração e fatalmente aprendeu lições indeléveis de saxofone, Guerra Peixe e José Siqueira, que lhe passaram noções de harmonia, contraponto e fuga, e Paulo Silva e Lincoln Pádua, em aulas sobre teoria e contraponto.
Para ser incensado como um dos maiores, senão o grande nome do clarinete na música popular aqui no País, Paulo Moura, figura sempre afável nos palcos, palmilhou uma longa estrada, apresentando-se com grandes nomes nacionais e estrangeiros. Foi assim desde seu primeiro registro fonográfico, em 1951, quando logo de cara acompanhou Dalva de Oliveira cantando nada mais, nada menos que ''Palhaço'' (Nelson Cavaquinho), até seu último trabalho, ''AfroBossaNova'', ao lado de Armandinho, lançado no ano passado.
No meio do caminho, Moura foi cultivando amizades com músicos da pesada e intimidade com diversos gêneros e linguagens, como o choro, o samba, o jazz, o baião e o frevo. O primeiro disco, um 78rpm, foi lançado pela Columbia em 1956, com as gravações de ''Moto Perpétuo'', de Paganini, e ''O Voo do Besouro''.
Foram cerca de 40 álbuns, fora participações nos discos de outros compositores e intérpretes, como Milton Nascimento e Elis Regina. Com uma lista tão vasta, ao lado de feras do cancioneiro nacional, é difícil citar todos, mas é impossível não lembrar de trabalhos antológicos, como os álbuns gravados com a pianista Clara Sverner; ''Paulo Moura Interpreta Radamés Gnattali'', de 1959; ''Confusão Urbana, Suburbana e Rural'', de 1976; ''Mistura e Manda'', de 1984; ''Dois Irmãos'', de 1992, com Raphael Rabello; Wagner Tiso e Paulo Moura, de 1996; ''K-Ximblues'', de 2001, em homenagem à obra do pouco lembrado K-Ximbinho; ''Dois Panos Pra Manga'', de 2006, com João Donato; e ''El Negro del Branco'', de 2004, com Yamandu Costa.
Registros que escreveram o nome de Moura na história e nos corações dos amantes da boa música. Aqui debaixo ele já estendia seus braços e como uma espécie de sombra protetora distribuía suas bênçãos a todos os clarinetistas populares que vieram depois, como Nailor Azevedo (o Proveta), Paulo Sérgio Santos e o italiano Gabriele Mirabassi. Agora ele as distribui lá de cima, enquanto aqui embaixo fica um vazio, ''uma pausa de mil compassos'', como diria Paulinho da Viola, e o legado de um músico de primeira grandeza.