Na semana passada falei de flores, um assunto delicado, basta um escorregão para alguém nos chamar de piegas. Para minha surpresa, o assunto tocou muita gente e recebi de um amigo um e-mail que considero uma pintura, pelas descrições que faz das flores em suas viagens.
  Considerando que o Mario é um arquiteto, já supunha que ele tivesse um olhar especial sobre as paisagens, mas suas descrições superam todas as minhas expectativas, porque mulheres falam de flores, mas homens ficam sempre com um pé atrás e nunca sabem distinguir direito uma gérbera de uma margarida.
  Mario não, ele descreveu uma viagem à Europa onde viu os canteiros comportados do Champs Elysées e as plantações de mostarda nas estradas com o mesmo encantamento. Disse que as plantações são ‘‘tão imensas e expressivas que parece que vão engolir o carro em cada curva ou, quem sabe, nos dar um abraço’’. Fiquei pensando nesta sensação do Mario e nas plantações de soja que sempre me lembram um mar vegetal, dando a mesma impressão de que vão nos abraçar ou engolir, antes que sejam colhidas para nos alimentar de outra forma.
  As paisagens nos alimentam e as descrições do Mário me pareceram um filme, como se ele captasse com câmera o que as paisagens inspiram, embora me explique que nem sempre foi assim. Para ele, houve um tempo em que as flores ‘‘eram apenas adorno de casórios, figurantes largadas em jardins mal observados, motivos de pinturas de mestres ou acabamento de projetos arquitetônicos’’. O olhar do Mario mudou quando viu uma cidade tomada pela primavera, a visão estonteante de árvores e canteiros florescendo. O que o tocou, não foi apenas o contato com as flores em tempo de férias, quando o nosso espírito se abre e os sentidos captam melhor a beleza, que passa ‘‘batida’’ no cotidiano, quando não há tempo para flores.
  Entre outras coisas, o que tocou o Mario foi encontrar nos fundos de um hotel na Bélgica um jardim cuidado por ‘‘um homem solitário e caprichoso, que desaparecia e voltava misteriosamente várias vezes ao dia’’. Isso o fez perguntar ‘‘que sonhos teria este homem?’’. Fiquei pensando na pergunta do Mário e cheguei à conclusão de que o que move um jardineiro é a criação da beleza, porque sem canteiros uma cidade certamente ficaria mais feia e desprovida de poesia, sobrando as ruas tomadas pelo comércio, o concreto dos edifícios e nenhum sonho, nenhum ‘‘oxigênio’’ para que a gente respire com mais força e encanto pela vida.
  No fim, Mario disse que torcia para que ‘‘o movimento dos botões explodindo se reproduzisse em nossas carcaças e almas, para que possamos nos encantar uns aos outros como as flores sabem fazer com a gente’’.
  Considero este desejo do Mario o fecho ideal para este fim de primavera, junto com meu próprio desejo de que tenhamos olhos para ver canteiros e que cada homem seja um jardineiro capaz de distinguir uma gérbera de uma margarida. Porque é muito triste ficarmos indiferentes às paisagens do mundo e nunca é demais lembrar que alguns destes ‘‘filmes’’ só passam pelas nossas retinas uma vez. E vocês, já viram uma rosa hoje?