Tudo começou na véspera, no dia 21, quando fui ao teatro assistir a um espetáculo japonês que estava na programação do Filo. Atores e bailarinos encenavam um épico, ''King Yebi'', que eles consideram o ''Rei Lear'' em versão asiática. Não fosse cômico, seria trágico. Mas frases aqui e ali - até mesmo num improvisado português - davam um tom de humor que distraía o público das cenas mais dramáticas.
Se no palco o espetáculo era um, na platéia era outro. Japoneses de todas as idades lotavam o teatro, os mais idosos emocionavam quem os via, pelo esforço e concentração de assistir a um espetáculo com duas horas de duração. Música e teatro, referências ao Kabuki, a cenografia limpa que oferecia momentos mágicos, outros nem tanto, uma luz bonita que inundava o palco de vermelho e laranja. As cores do oriente, cultura forte e disciplinada, artes marciais e o drama a se desenrolar no palco porque King Yebi, o rei, queria um filho homem, mas tinha oito mulheres.
Lembrei-me que na família imperial japonesa só os homens têm direito ao trono e pensei que coisas não mudam tanto, apesar dos ventos da modernidade que varrem o Japão tecnológico, considerado um dos países mais desenvolvidos do planeta. Mas nem é preciso ir tão longe. Conheço brasileiros que também preferem filhos homens, visão distorcida que atravessa o tempo, mas Deus semeia por aí os dois sexos, segundo o seu próprio desejo.
No teatro, o épico segurou o público até o fim, as poltronas foram esvaziadas com o público aplaudindo em pé e eu, ao ver tantos olhos puxados, pensava: ''Nossa, desembarquei em Tóquio, sem nunca ter pisado num trem-bala.'' A arte é assim, nos transporta nas asas da imaginação. O Havaí é aqui ou Tóquio, Londres, Nova York. Tantas línguas, tantas cenas a encurtar distâncias.
A sensação de ter desembarcado no Japão não parou por aí. No dia 22, domingo, céu claro e um frio típico de junho, fui à praça para ver o príncipe Naruhito comemorar em Londrina os 100 anos da imigração japonesa. O espaço estava tomado, o povo concentrado atrás de um gradil para ver o príncipe. Mais dança, mais música japonesa - eu só me irritava quando alguém muito alto passava à minha frente, sem pedir licença. Dá vontade de estalar um tapa na orelha destes cidadãos. Mas há alguns anos, depois de participar de muitos eventos, aprendi que a gente assiste a tudo pelas brechas. Um pescoço ali, uma cabeça aqui, um minuto para ver a festa. Na praça não foi diferente. Eu estava de novo em Tóquio. Sem avião nem trem-bala, eu havia desembarcado no Japão. Mas era um Japão brasileiro, um Japão onde as crianças comem pipoca, um Japão de leques de plástico, bandeirinhas nipo-brasileiras a tremular nas mãos de emoção e frio.
Pouco antes do príncipe chegar, um helicóptero sobrevoava o local. Vocês sabem, tudo é uma questão de segurança. Soube que atiradores de elite montavam guarda nos velhos prédios ao redor da praça. Construções tão antigas no espaço que já foi chamado de Chinatown de Londrina. Fiquei feliz ao perceber que um dos restaurantes agora tem fachada vermelha e amarela, as cores do oriente, para criar outro palco, outro cenário para Naruhito.
O príncipe chegou acompanhado de políticos e autoridades. Não é preciso dizer quem são os políticos que só vêm a Londrina em dia de festa. Vocês os conhecem, são aqueles mesmo que, no resto do ano, não fazem na cidade nenhum investimento. Só querem aplausos e bandeirolas.
Concentrei-me de novo no espetáculo da praça. Ah! O povo sim me emociona. Aplaude e grita, desinteressado e festeiro. Senhores e senhoras com mais de 70 anos, japoneses de olhinhos apertados, às vezes úmidos de lágrimas, para ver o príncipe passar, para ver a banda passar, para ver o tempo passar.
O príncipe inaugurou a praça, movimentando-se como uma lenda viva. Uma lenda que carrega o peso e as glórias da família imperial. Visita rápida e uma cena muda. De repente, a praça é novamente do povo. Naruhito foi embora, assim como veio: num passe de mágica.
Só então desci a rampa para ver de perto o memorial aos 100 anos da imigração japonesa. Lindo como um navio ancorado. Monumento criado pelo artista japonês Toyota, que traz os nomes dos imigrantes para sempre gravados no granito. Deixei o navio. Subi em direção à rua Sergipe, saí de Tóquio num piscar de olhos. Mas tenho certeza que um pedaço do Japão mora aqui. O Japão agora é um navio, um navio de Toyota, ancorado no coração de Londrina.

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