Pelo segundo ano consecutivo um grupo anticensura realiza neste domingo o Dia da Livre Manifestação do Nu no Facebook. Bloqueios a páginas de pessoas que postaram uma foto da cantora Nina Simone sem roupa esta semana dispararam de novo o gatilho do inconformismo de usuários que consideram agressiva este tipo de proibição na rede. Afinal, tratava-se do nu de uma figura emblemática, além de cantora e compositora, Nina Simone era conhecida por sua militância em favor dos negros nos EUA.
O protesto de hoje, quando milhares de pessoas vão postar nus na rede, é pertinente porque escancara o preconceito em relação ao nu artístico, de protesto ou cultural - como o das tribos indígenas - frequentemente censurados no Facebook. A contradição fica por conta da vulgaridade escrachada presente em toda mídia, sobretudo com a exposição frequente do corpo feminino como mercadoria. Afinal, a soma de tudo isso significa uma liberalidade estrábica ou mera hipocrisia? Em que tempos vivemos e com que lentes enxergamos a moral e a cultura?
No momento este debate também é pertinente porque o chamado Marco Civil da Internet – que vai inaugurar uma legislação específica para a internet no Brasil - deverá ser votado na segunda semana de agosto no Congresso Nacional, depois de quase dois anos de discussões e atrasos. A votação é bem-vinda, porém devemos ficar de olho para saber o que vem por aí. O sociólogo Sérgio Amadeu, que acompanhou a elaboração do Marco Civil, faz críticas severas a modificações que vêm sendo feitas no texto. Em entrevista recente, divulgada em vários sites, ele aponta como uma das principais contradições a medida que permite que se retire de circulação um conteúdo sem ordem judicial. Isso excluiria a chamada "neutralidade na rede". Além disso, o novo texto sinaliza uma influência maior das empresas de telecomunicações e de copyright no Brasil. Ele explica: "Uma quer controlar os fluxos de informação e a outra não quer reconhecer uma prática corriqueira das pessoas na internet que é o compartilhamento de arquivos digitais". Segundo Sérgio, "querem transformar a internet numa grande rede de TV a cabo. Acham que, por controlarem os cabos, por estarem numa situação estratégica de controle da sociedade da informação, podem controlar os fluxos". E reforça: "Quando a operadora tiver poder de filtrar o tráfego e dizer que tipo de conteúdo poderá passar nesses cabos, quando ela puder pedagiar o ciberespaço, matará a criatividade da internet".
Neste ponto, retomo a discussão sobre o controle de conteúdos no Facebook, onde existe, por exemplo, um mecanismo de censura que prevê a denúncia de um usuário contra outro que tenha publicado "conteúdos indesejáveis". Neste sentido, a rede social, além de incentivar a delação, desconsidera totalmente a Constituição do país, que prevê irrestrita liberdade de expressão artística e ideológica.
Como brasileira acho que os direitos previstos na Constituição estão muito acima de um contrato virtual que defecadores de regras costumam evocar quando burlamos as normas na rede em franca desobediência a mecanismos contraditórios sob o ponto de vista moral e cultural. Em síntese: por que a Mulher Melancia passa e a Vênus de Botticelli é censurada no Facebook? Os defecadores de regras estão sempre a postos e quando você questiona coisas assim eles ditam uma norma, quando você revela uma contradição eles tiram um contrato virtual da gaveta dizendo: "Mas você aceitou isso quando entrou no Facebook". Para eles não existe atitude flexível, possibilidade de mudança, novo enfoque nas relações. O mundo é estático, as regras permanentes, a paralisia está além da vida. E me perdoem se uso uma expressão tão feia quanto "defecadores de regras", podia usar expressão mais popular, vocês sabem a que me refiro, mas para bom entendedor meia feiura basta e vou continuar protestando. Hoje, a partir das 11 horas, o mundo vai ficar mais nu no Facebook.

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