Imagem ilustrativa da imagem Casa de Artigas sai da situação de abandono
| Foto: Fotos: Gina Mardones



Primeiro e único imóvel residencial representante da arquitetura modernista em Londrina, a casa projetada pelo arquiteto Vilanova Artigas localizada no centro da cidade está finalmente sendo reformada. Deteriorada nos últimos anos, quando acabou servindo de abrigo para moradores de rua, a construção de 1952 ganhará melhorias estruturais que respeitarão aspectos da planta original da obra. Após a reestruturação, que deve durar cerca de três meses, o local servirá de sede para uma loja de brinquedos e atividades culturais.

"A gente sabe que não está entrando em um imóvel qualquer, e sim na casa que é o ícone da transformação da arquitetura da cidade. Esta é a primeira casa modernista de Londrina, que tem um valor histórico incalculável e com a qual os londrinenses têm uma ligação afetiva muito forte", afirma a jornalista e comerciante Denise Gentil, proprietária da Loja Ciranda, que assinou um contrato especial de locação com os herdeiros do imóvel construído na Rua Prefeito Hugo Cabral, em frente ao Colégio Hugo Simas.

Apesar de reconhecer a importância da construção para a memória de Londrina, Denise ressalta que a casa será reformada e que não se trata de um projeto de reconstituição do imóvel. "Para reconstituir a casa seria necessário investir milhões de reais e muitos dos materiais usados na época da construção não são mais encontrados hoje em dia. No entanto, vamos procurar preservar ao máximo as características originais", afirma ao enfatizar que ficou surpresa com a afetividade dos londrinenses em relação ao imóvel.

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Denise Gentil explica que muitas características da casa, que estava servindo de abrigo a moradores de rua, foram modificadas: o piso de tacos, por exemplo, foi substituído por piso frio, janelas e portas não são mais originais, mas na reforma ela pretende fazer referências ao projeto de Artigas



"Algumas pessoas que perceberam o início da reforma vieram me falar que leram na Folha de Londrina sobre a importância desta casa pedindo para que tenhamos cuidado com a obra", relata Denise. "Aliás, foi depois de ler a matéria 'Arquitetura londrinense através do tempo', publicada pelo jornal em setembro, que uma das herdeiras do imóvel resolveu procurar a secretaria municipal de Cultura para tentar encontrar uma maneira de preservar a obra. A partir daí, Vanda Moraes, então diretora municipal de Patrimônio Artístico-Cultural, me procurou oferecendo a locação da casa", conta.

Denise enfatiza que além dos danos causados pela ação do tempo, a casa já sofreu várias modificações em relação à planta original. "Os três quartos da residência tinham abertura voltadas para um jardim interno. Isso já havia sido alterado em reformas anteriores, fechaduras e portas não são mais as originais. O piso interno que era de taco de madeira já tinha sido substituído por piso frio. E o piso externo que era de vermelhão não poderá ser refeito pois o Corpo de Bombeiros não permite mais o uso deste tipo de material", detalha.

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Mesmo tendo que fazer algumas adaptações durante a reforma, a nova locatária salienta que pretende fazer referências à planta original do imóvel. "Vamos preservar tudo o que for possível. Além disso, pretendemos criar um memorial em um dos cômodos da residência para que os visitantes conheçam características únicas deste projeto arquitetônico do Vilanova Artigas e saibam detalhes da planta original da casa", ressalta.

Outro ponto importante destacado por ela, é que o imóvel histórico será usado para a promoção de atividades culturais e artísticas. "A Loja Ciranda está completando 13 anos de existência. Nesse período atendemos mais de cinco mil crianças com oficinas, contação de histórias e apresentações artísticas voltadas para o público infantil. Para dar andamento a essa programação, vamos construir um palco na garagem da casa, que também contará com cafeteria e cantina, entre outros espaços", informa.

Reforma documentada

A reforma da residência Milton Menezes vai gerar gerar um vídeodocumentário sobre as obras assinadas por Vilanova Artigas na cidade. Imagens do trabalho iniciado na semana passada estão sendo registradas pelo jornalista e professor universitário Luciano Pascoal.

"A intenção é apresentar esse material à Fundação Vilanova Artigas para tentar sensibilizá-los a patrocinar um documentário mais abrangente sobre todo o conjunto de obras que o arquiteto projetou em Londrina", contextualiza Pascoal.

Curitibano radicado em São Paulo, Vilanova Artigas também assinou algumas das mais importantes construções de Londrina, como o Cine Teatro Ouro Verde (1948), a antiga estação rodoviária (1950) e que atualmente abriga o Museu de Arte de Londrina, a Casa da Criança (1950) e o Edifício Autolon (1953).


Vanguarda arquitetônica

Feita para então prefeito da cidade Milton Menezes, em 1952, a casa projetada pelo arquiteto Vilanova Artigas no centro de Londrina inaugurou uma nova estética moderna para residências na cidade, conforme explica Oigres Macedo, doutor em Arquitetura e Urbanismo pela USP e docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Entre as características marcantes do estilo modernista presentes no imóvel de 300 metros quadrados está o telhado invertido, popularmente conhecido como telhado borboleta, no qual as águas correm para o centro. "Outras características referem-se aos materiais, como os revestimentos de pastilhas. Os grandes panos de vidro da fachada, com o uso de janelas amplas – do chão ao teto. Ambientes integrados, como sala de jantar e a cozinha", complementa.

A redução dos espaços destinados à cozinha e à área de serviço também são apontadas como novidades da obra. "Essa é uma postura inclusive ideológica por parte dos arquitetos modernistas. Existia a crença na emancipação das mulheres, na redução do trabalho doméstico. Isso era acompanhado pela indústria que emergia com os eletrodomésticos (liquidificador, aspirador de pó, máquina de lavar roupas), com o mobiliário moderno de fácil manutenção, com alimentos industrializados, produtos enlatados, pré-cozidos, desidratados. A casa deveria acompanhar essa modernização, e um novo modo de vida mais autônomo poderia ser imaginado. Menos tempo gasto na cozinha e na área de serviços liberava os moradores para gastarem seu tempo livre na sala de estar - o living, ou outros ambientes da casa", detalha Macedo.


Patrimônio histórico aguarda verbas para manutenção

Museu de Arte de Londrina, outra obra de Vilanova Artigas, aguarda reformas que dependem de verbas: prédio público apresenta goteiras (detalhe), entre outros problemas
Museu de Arte de Londrina, outra obra de Vilanova Artigas, aguarda reformas que dependem de verbas: prédio público apresenta goteiras (detalhe), entre outros problemas | Foto: Fotos:Gustavo Carneiro



O primeiro imóvel residencial modernista projetado por Vilanova Artigas em Londrina encontra-se listado como patrimônio material do município. "A listagem é o primeiro passo para chegar ao processo de tombamento do imóvel", informa Caio Julio Cesaro, secretário municipal de Cultura.

Ele destaca que a construção residencial localizada na rua Prefeitura Hugo Cabral, 656, integra o que chama de corredor histórico da cidade, que conta com cerca de outras 20 importantes obras arquitetônicas. "Entre elas o antigo Fórum da cidade, onde hoje funciona a Biblioteca Pública Municipal, o Teatro Zaqueu de Melo, a Casa da Criança (atual sede da Secretaria de Cultura), o Museu de Arte e o Museu Histórico de Londrina, entre outros", esclarece.

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Caio ressalta ainda que a preservação dos imóveis históricos é de suma importância para a memória da cidade. "Londrina já tem mais de 80 anos. Preservar esses imóveis é imprescindível para manter viva a história e a identidade da cidade", argumenta ao informar que em breve o prédio da Biblioteca Pública Municipal e do Teatro Zaqueu de Melo serão reformados com uma verba de R$ 1,9 milhões liberados pela prefeitura. "Também estamos buscando recursos para a reconstituição do prédio da antiga rodoviária (projetado também por Villanova Artigas) onde há 25 anos funciona o Museu de Arte de Londrina. No final do ano passado apresentamos ao BNDES um projeto que prevê o investimento de R$ 4,5 milhões na obra e estamos aguardando sua aprovação", revela.