"Muitos jovens não têm ideia de como se dá o processo analógico de revelação de filmes e ampliação de imagens", diz Rui Cabral, que trabalha no Museu há mais de 30 anos
"Muitos jovens não têm ideia de como se dá o processo analógico de revelação de filmes e ampliação de imagens", diz Rui Cabral, que trabalha no Museu há mais de 30 anos | Foto: Gustavo Carneiro



Um dos últimos laboratórios de fotografia analógica do Estado está prestes a perder seu funcionário mais antigo e ter suas atividades paralisadas. Rui Cabral - fotógrafo e técnico em assuntos culturais há mais de 30 anos no Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss - pode se aposentar a qualquer momento. Além dele, outros dois técnicos – arquivologista e bibliotecário - estão na mesma situação. Sem a reposição dos cargos, que requerem atribuições específicas, as funções ficarão descobertas, inviabilizando o funcionamento do museu, órgão suplementar da UEL (Universidade Estadual de Londrina), que hoje conta com apenas cinco técnicos.

O alerta é da diretora do Museu, Regina Alegro, que desde 2012 dribla o problema do número reduzido de funcionários. "Há anos estamos nos adaptando e procurando alternativas. Porém, agora, a situação ficou mais preocupante. Com a saída dos técnicos e, sem a substituição, seremos obrigados a fechar as portas. Ainda que tenhamos uma rede de apoio externa, não há como atendermos sem profissionais atuando na instituição." O museu já chegou a ter 17 técnicos.

Negativo de vidro
Negativo de vidro



O problema pelo qual passa o Museu Histórico não é um caso isolado. Pelo contrário, é apenas um na área da cultura sob administração da UEL. O grave deficit no quadro de funcionários que atinge toda a instituição – sem entrar no mérito de infraestrutura e recursos financeiros - ameaça paralisar outros setores por tempo indeterminado. Tanto que quem passou em frente ao Teatro Ouro Verde essa semana percebeu que as portas estão fechadas novamente, apenas 25 dias após a reinauguração e depois de uma intensa programação cultural com o FIML (Festival Internacional de Música de Londrina).

Infelizmente, a situação era esperada caso não houvesse servidores para o funcionamento adequado, o que, no entanto, foi garantido pelo Governo do Estado que não aconteceria. Apesar da nomeação feita no dia da solenidade de reinauguração, 30 de junho, os 15 funcionários para o local ainda aguardam o decreto e publicação em Diário Oficial, e não há previsão de quando assumam seus postos.

Regina Alegro, diretora do Museu: "Há anos estamos nos adaptando e procurando alternativas"
Regina Alegro, diretora do Museu: "Há anos estamos nos adaptando e procurando alternativas" | Foto: Gustavo Carneiro



Segundo a diretora da Casa de Cultura da UEL, Cleusa Cacione, o funcionamento do teatro é inviável neste momento enquanto a equipe não é reposta. Atualmente, o Ouro Verde conta com apenas três funcionários, mas 18 seriam necessários. "Lembrando que os 15 nomeados são exclusivamente para viabilizar o funcionamento do teatro e não há nenhum aceno do Governo para novas contratações. Além do Ouro Verde, há todas as outras unidades que são de responsabilidade da Casa de Cultura: Divisão de Artes Cênicas, Divisão de Artes Plásticas, Divisão de Cinema e Vídeo, Divisão de Música, Centro de Documentação e Referência e Osuel (Orquestra Sinfônica da UEL). Em levantamento realizado no início da minha gestão à frente da Casa de Cultura, após mapeamento das atividades e atribuições, indicamos à Pró-Reitoria de Recursos Humanos que o número ideal de servidores seria de 134", afirma Cacione. Contudo, o número que era de 102 funcionários em 2015 caiu para 78 em 2016. Isso significa 42% abaixo do ideal. Com as aposentadorias e exonerações após 2005, há apenas 21 vagas autorizadas. Há duas semanas, a FOLHA publicou reportagem sobre a situação crítica da Osuel.

Em 2016, 127 mil pessoas usufruíram das ações da Casa de Cultura da UEL, entre espetáculos e cursos, incluindo o FILO e o FIML, que contam com a co-produção da instituição. Já o Museu Histórico recebe uma média de visitação de 45 mil pessoas ao ano, sobretudo escolas, além de ser importante espaço de pesquisa e formação.

Imagem ilustrativa da imagem Baixa na cultura



Resposta
De acordo com a assessoria de imprensa da Seti (Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná), o fechamento do teatro trata-se de uma decisão de responsabilidade da UEL. "A contratação de servidores para o Cine Teatro Universitário Ouro Verde está garantida; o processo está em trâmites finais dentro da estrutura do Estado. Protocolos com os pedidos de nomeação dos agentes universitários aprovados em concursos públicos, já realizados pela UEL, estão tramitando. O Governo está empenhado para consolidar os ajustes propostos para que o Estado do Paraná mantenha o equilíbrio das contas públicas, e a partir disso dar sequência aos processos de nomeação", diz a nota, completando que "as universidades podem realizar concurso público para preenchimento de vagas abertas em função de aposentadorias, exonerações ou falecimentos de docentes. Para a realização de novos concursos públicos deve haver disponibilidade orçamentária, cujos pedidos serão analisados pela Comissão de Política Salarial".

Função exige domínio
Em mais de três décadas de trabalho, Rui Cabral, funcionário do Museu Histórico de Londrina, viu a história da cidade e região Norte do Paraná passar, literalmente, por suas mãos. Fotógrafo e técnico em multimídia, é responsável por revelar negativos fotográficos, slides, reproduzir cópias de imagens em papel e em negativos de vidro. "O Museu possui, hoje, mais de 400 mil imagens entre negativos e papel. É um material rico e em constante crescimento, já que sempre chega doação. Para manusear tudo isso é preciso dominar as técnicas de um laboratório analógico, além de conhecer os padrões específicos para museu. Todos nós recebemos treinamento ao longo dessas décadas; não aprendemos de um dia para outro. Ou seja, são práticas, códigos, ações que requerem continuidade. Praticamente não há mais profissionais que atuem assim", conta.

Entre produtos químicos como reveladores, fixadores, interruptores e muita habilidade para manusear carretéis no escuro ou lavar papel fotográfico no tanque com apenas uma luz vermelha acesa, continua realizando uma verdadeira alquimia em tempos de fotos digitais. Isso porque muitos produtos saíram de linha e é preciso misturar reagentes fazendo novas fórmulas. "Muitos jovens não têm ideia de como se dá o processo analógico de revelação de filmes e ampliação de imagens. Mesmo havendo um procedimento padrão, alguns detalhes são aprendidos com o tempo de experiência." Além dele, os outros técnicos são responsáveis pela conservação e restauração de imagens, documentos e objetos históricos.



Confira entrevista com Cleusa Cacione, diretora da Casa de Cultura da UEL
'Falta de recursos humanos é apenas um dos problemas'

Quantos setores estão ligados à Casa de Cultura? Como se distribuem os funcionários entre eles?

A Casa de Cultura tem a seguinte estrutura administrativa: Diretoria e Secretaria Geral, localizada na Sala Rômulo Veronense no Edifício Julio Fuganti (11º Andar). O espaço, além de sede administrativa, abriga o Centro de Documentação e Referência da Casa de Cultura; Divisão de Artes Cênicas, localizada à Av. Celso Garcia Cid, 205; Divisão de Música, localizada à Rua Tupi, 210, que mantém o Setor Vocal atualmente com sete coros e o Projeto NEUMA voltado à performance de Música Histórica, alem do Setor Instrumental;
Divisão de Artes Plásticas, localizada à Av. JK, 1973;
Divisão de Cinema e Vídeo, localizada no Shopping Com-Tour, Av. Tiradentes, 1441, onde temos o Cine Com-Tour/UEL, espaço para exibição de filmes e outras atividades artísticas, culturais e acadêmicas. Após o incêndio no Cine e Teatro Universitário Ouro Verde, o espaço também abriga a Orquestra Sinfônica da UEL, que é vinculada à Divisão de Música da Casa de Cultura; Cine Teatro Universitário Ouro Verde, que é vinculado à administração geral da Casa de Cultura, sedia eventos artísticos e culturais, promovidos pela Casa de Cultura e por outras unidades da Universidade, bem como os promovidos por terceiros por meio da cessão do espaço.

Qual seria o número ideal para cada uma delas?

Segundo levantamento realizado no início da minha gestão à frente da Casa de Cultura, após mapeamento das atividades e atribuições, indicamos à Pró-Reitoria de Recursos Humanos que o número ideal de servidores seria de 134, assim distribuídos: Divisão de Artes Plásticas: seis servidores mais chefia (docente do curso de Artes Visuais); Divisão de Artes Cênicas: seis servidores mais chefia (docente do Curso de Artes Cênicas); Divisão de Música: quatro servidores, chefia, mais dois montadores (para atender Orquestra e Coros) – Seção de Música Vocal: dez músicos, Regente Titular, encarregado da seção – seção de Música Orquestral: 61 músicos mais Maestro Adjunto mais um Arquivista mais um técnico administrativo mais um inspetor da Orquestra mais o encarregado da seção; Divisão de Cinema e Vídeo: seis servidores mais a chefia;
Cine Teatro Universitário Ouro Verde: 18 servidores mais o Gerente;
Centro de Documentação: dois servidores; Direção e Secretaria Geral: seis servidores mais a direção.

No que o déficit de funcionários tem prejudicado o funcionamento dessas áreas?

O maior prejuízo, no caso de servidores, talvez seja com respeito à Osuel. A falta de músicos efetivos e maestro adjunto é histórica. Essa situação inviabiliza a realização de diversos repertórios sinfônicos. Apesar disso, o maestro tem se esforçado para manter a Orquestra em atividade buscando repertórios alternativos, embora bastante limitados. Nos demais setores, o funcionamento, apesar da não realização de atividades anteriormente realizadas, não tem sido prejudicado na mesma proporção do deficit, pois os servidores são bastante comprometidos e empenhados para que as ações, atividades e projetos sejam realizados. Quando a função é a mesma, as atribuições têm sido acumuladas. No entanto, é difícil prever até quando será possível tolerar esta situação. O maior problema é o estresse que a cada ano se acumula. Em alguns setores/divisões, a necessidade de número de horas extras é alto e a Casa de Cultura tem que lidar com a necessidade versus o nosso teto que é de 190 horas extras por mês. Às vezes há algum tipo de prejuízo pela falta de tempo para a capacitação exigida. Muitas atividades requerem qualificação específica e, por sua vez, a carreira da UEL não prevê algumas funções específicas, necessárias para a Casa de Cultura.

Quantas contratações estão pendentes para a Casa de Cultura? Quais as perspectivas de nomeações?

São muitas e em duas categorias: temos 26 vagas que não são autorizadas desde 2005, por conta do Decreto 5722 de 24/11/205. Para estas contratações, não há esperança. Com as aposentadorias e exonerações após 2005, temos 21 vagas autorizadas. As perspectivas de nomeação podem ser informadas somente pelo Governo do Paraná. Recebemos levantamento da Pró-Reitoria de Recursos Humanos com a seguinte situação destas vagas: seis vagas em anuência, oito vagas em nomeação e sete vagas em convocação. Estamos aguardando a nomeação de 15 servidores, anunciada pelo Governo do Estado em 30 de junho.

Se isso não se efetivar, como pretendem dar continuidade nos serviços? Há possibilidade de fechamento e paralisação de atividades? Quais?

Aguardamos a nomeação dos servidores para o Cine Teatro Universitário Ouro Verde para os próximos meses, conforme foi anunciado pelo governador no dia da inauguração. Enquanto não houver a nomeação não podemos disponibilizar o espaço para realização de eventos.

Além de recursos humanos, quais outros problemas graves estão impedindo o funcionamento adequado dos aparatos de cultura?

Bem oportuna a pergunta, pois a falta de recursos humanos é apenas um aspecto dos problemas enfrentados pela Casa de Cultura. No entanto, cada questão a seguir talvez demande uma matéria específica. Nesse sentido, acho que vale a pena somente elencar alguns dos problemas, sem aprofundá-los.

a) Falta de espaço físico próprio e adequado. Os únicos espaços da Casa de Cultura de propriedade da UEL são o 11º andar do Julio Fuganti e o Cine Teatro Universitário Ouro Verde. Os demais espaços já citados são alugados. Isso acarreta dois problemas: não é possível fazer todas as adequações necessárias e os recursos financeiros investidos em aluguel poderiam ser investidos nas atividades fins da Casa de Cultura.

b) Falta de uma estrutura organizacional adequada. A Casa de Cultura estava elaborando seu novo Regimento e Organograma quando foi surpreendida pela Lei 16.372 de 30/12/2009, conhecida como "Reforma Administrativa". Desta forma, a Unidade funciona com uma estrutura que já não mais atende a missão e objetivos da Casa de Cultura.

c) Recursos Financeiros insuficientes. O orçamento da Casa de Cultura permanece o mesmo há muito tempo. Além do valor que não vem sendo corrigido, nos dois últimos anos os recursos financeiros não foram liberados no último trimestre em razão do corte de imposto pelo Estado. Este ano a situação se agravou com o contingenciamento dos recursos, fato este já bastante divulgado pela UEL. A falta de recursos financeiros é ainda mais prejudicial do que a falta de recursos humanos. Muitas atividades foram canceladas: concertos da OSUEL com músicos e solistas convidados, publicação do catálogo Arte Londrina 5, oficinas previstas pela Divisão de Artes Cênicas e Artes Plásticas, e outras. É bom ressaltar que o Ouro Verde foi reinaugurado, mas até o momento não foram aprovados recursos financeiros para sua manutenção. E ainda sobre a questão dos recursos financeiros, sofremos com a falta de recursos financeiros para aquisição de material permanente e equipamentos previstos no Planejamento Estratégico da Casa de Cultura. A falta de recursos para esta finalidade inviabilizou até o momento a aquisição do projetor de cinema digital. Considerando que os filmes em 35 mm, película em celuloide, praticamente deixaram de existir diante da presença avassaladora do suporte digital, a sobrevivência da sala Cine Com-Tour/UEL está condicionada à modernização de seu equipamento de projeção.