Rodrigo Grota pesquisando o arquivo da Folha:"Há uma espécie de fascínio do povo brasileiro em ver esses momentos em que o sistema entra em colapso"
Rodrigo Grota pesquisando o arquivo da Folha:"Há uma espécie de fascínio do povo brasileiro em ver esses momentos em que o sistema entra em colapso" | Foto: Sérgio Ranalli



O assalto ao banco Banestado, que aconteceu em 1987, em Londrina, pode parecer ficção, mas não é. Seria apenas mais um para as estatísticas de roubo a bancos se não fosse dia do pagamento; se não fossem os 300 reféns; se não fosse Moreno, o cabeça dos sete assaltantes, que chocou não pela violência, mas por sua polidez; se não fossem as milhares de pessoas na frente da agência a acompanhar o desfecho como um final de novela, enquanto malotes de dinheiro chegavam pelo Calçadão, assim como comida para alimentar toda essa gente; se não fosse o clima de tragicomédia; se não fossem os assaltantes saindo da agência ovacionados; se não fosse a fuga em um ônibus com 14 reféns levando mais de 30 milhões de cruzados; se não fosse, enfim, dia 10 de dezembro, aniversário de Londrina.

Parece coisa de cinema e, de fato, agora vai ser. O novo filme da produtora Kinopus, dirigido e roteirizado por Rodrigo Grota, é o documentário "Assalto ao Banestado". A ideia de fazê-lo surgiu pela primeira vez quando Grota ouviu a história do jornalista Paulo Ubiratan, falecido em 2010, uma figura de destaque no assalto - ele entrou na agência, negociou a saída de reféns e ficou ele mesmo como refém até o fim. Paulo deu a deixa: "Isso daria um bom filme." O documentário, afirma Grota, também é uma forma de homenagear Ubiratan.
Desde 2012, Grota e a equipe da Kinopus começaram a resgatar essa história, que tem uma série de contradições: "Um otimismo exagerado de eles, amadores, acharem que iam fugir e dar tudo certo... Há também uma espécie de fascínio do povo brasileiro em ver esses momentos em que o sistema entra em colapso", conta Grota. O final dessa epopeia londrinense? Ninguém morreu, 6 dos 7 assaltantes foram presos e 27 milhões de cruzados foram recuperados. O resto desapareceu.

Apesar de ser um documentário, há, sim, um toque de ficção: "Pensei em inserir alguns elementos ficcionais que vão contribuir para a construção desse clima do que aconteceu há 30 anos, mas no sentido de intensificar a experiência de se aproximar desse episódio histórico - a prioridade é o relato factual", esclarece Grota.

À esquerda, uma das páginas da monumental cobertura da Folha de Londrina no dia do assalto e a ação lendária do repórter Paulo Ubiratan retirando uma refém do banco
À esquerda, uma das páginas da monumental cobertura da Folha de Londrina no dia do assalto e a ação lendária do repórter Paulo Ubiratan retirando uma refém do banco



Aprovado pelo Promic em 2015, as filmagens ainda estão acontecendo. "É um longa com orçamento de curta (R$ 45 mil), então é um projeto do coração, em que se faz por prazer", completa ele. O filme tem estreia prevista para 10 de dezembro deste ano, 30 anos após o assalto.

Como em um quebra-cabeça de milhares de peças, Grota tenta remontar essa história. A dificuldade é grande e ele ainda está em busca de peças fundamentais, entre elas, o próprio Moreno – ele cumpriu pena em Londrina até 2006 e continua morando por aqui: "Ouvir os bandidos é uma coisa muito interessante, porque é outra visão, um contraste, depois de 30 anos. Eles eram despreparados, não se tratava de uma quadrilha profissional, mas o Moreno tinha esse poder de comunicação e de sedução. Quero muito conhecer, porque é uma figura no mínimo curiosa". Para Grota, a parte mais difícil até agora é conseguir entender o que moveu o Moreno, "que foi quem criou essa história totalmente fantástica. Eu preciso olhar no olho dele para tentar saber. O fascínio maior vai ser encontrar esse cara... O que tem nele que causou toda essa energia que contagiou todo mundo, mobilizou e seduziu até mesmo quem estava ali sendo refém? É uma situação extrema, traz muita coisa à tona que você não imaginava. É um estado muito único de emoção que as pessoas viveram, então isso gera uma série de camadas de leitura. É uma aula de jornalismo e mostra como um mesmo fato pode gerar mil versões".

Nicéia Lopes:"Eles fizeram tudo errado, mas começou a dar tudo certo. Virou um grande espetáculo do qual todo mundo queria participar"
Nicéia Lopes:"Eles fizeram tudo errado, mas começou a dar tudo certo. Virou um grande espetáculo do qual todo mundo queria participar" | Foto: Fábio Alcover



Memória jornalística é a guardiã da história
A jornalista policial Nicéia Lopes acompanhou o assalto bem de perto. Com olhar atento, ela conta que não se deixou levar pelos ânimos exaltados e só observou. "No início, a polícia achava que se tratava de guerrilheiros, que estavam assaltando como uma forma de protesto pela situação econômica complicada da época". Depois, o clima foi ficando descontraído: "Era só risada! A saída foi o cume, com toda aquela torcida. Todo mundo gritando ‘dinheiro, dinheiro, leva, leva’. Tanto que foram aplaudidíssimos. Mas o que eu acredito é que nem o Moreno esperava a proporção e a repercussão do que aconteceu ali. Ele só foi se deixando levar. De um lado, a quadrilha, do outro, a polícia – um lado menos preparado que o outro. Chegou um ponto em que virou uma comédia", conta ela.

Nicéia relata que, em dia de visita ao Cadeião, a fila dobrava por causa do Moreno - entre as moças, uma ex-secretária do Banestado: "Era perto do Natal e ela levou peru. Todo sábado de manhã era assim", conta Nicéia. Ela chegou a entrevistar Moreno, mas ele nunca respondia às perguntas, só ria. "Ele tinha uma simpatia muito grande, recebia cartazes, bilhetes...".

Nicéia destaca que ainda existem muitas perguntas e muitas interrogações quanto ao episódio. Sobre o Barba, o único dos assaltantes que nunca foi encontrado e quem supostamente teria ficado com a parte do dinheiro não recuperada, ela questiona: "Sumiu para onde? Eu não acredito nisso. Eu duvido até hoje da existência do Barba, porque se ele estivesse lá dentro teria sido identificado. Muito fácil falar que o dinheiro ficou com alguém que nunca mais apareceu. Agora que muito dinheiro ali sumiu, isso sumiu". No entanto, de uma coisa Nicéia tem certeza: "eles fizeram tudo errado, mas começou a dar tudo certo. Virou um grande espetáculo do qual todo mundo queria participar".

Domingos Pellegrini: "O encantamento se deu graças à ousadia dos assaltantes e à ojeriza que o povo tinha de bancos"
Domingos Pellegrini: "O encantamento se deu graças à ousadia dos assaltantes e à ojeriza que o povo tinha de bancos" | Foto: Marcos Zanutto



O jornalista José Maschio era correspondente da Folha de S. Paulo na época do assalto ao Banestado. "Esse caso foi o precursor dos olhos da mídia nesses assaltos com reféns". Para ele, são três pontos curiosos: com quem ficou o dinheiro que não foi recuperado; a ação do Paulo Ubiratan; e a reação das mulheres que se apaixonaram pelo Moreno: "Depois eu percebi, quando você é refém, você está na mão da pessoa. Então o processo é de gratidão porque não sofreu demais".

O assalto ficou no imaginário popular... "O mágico está nisso: não houve tragédia", conclui Maschio. "O Moreno não tinha o que fazer... então ele entrou em situações bizarras, como essa de distribuir dinheiro para os reféns".

O escritor Domingos Pellegrini, autor do livro-reportagem "Assalto à brasileira" (1988), que reconstrói o caso, atribui o encantamento com o episódio a um espelho das contradições típicas da sociedade brasileira: "O encantamento se deu, arrisco, graças à ousadia dos assaltantes - que depois descobri ser resultante de inexperiência e ingenuidade, aliada a uma liderança que procurava mais performance que resultados práticos - e à ojeriza que o povo tinha de bancos. O povo resolveu então aplaudir os bandidos da hora para se vingar dos maus tratos bancários".

Para ele, o mais singular no assalto foi a mistura de tanta ousadia com tanto amadorismo: "Quando saíram do banco levando reféns, todos os assaltantes encapuzados, a imagem era aterradora, mas a realidade era acabrunhante: eles não sabiam o que fazer a cada passo que davam".

Assista entrevista: