Paulo Leminsk publicou na FOLHA, até poucos dias antes de morrer, textos que não revelam tristeza, mas eram ágeis, cheios de vigor e humor
Paulo Leminsk publicou na FOLHA, até poucos dias antes de morrer, textos que não revelam tristeza, mas eram ágeis, cheios de vigor e humor | Foto: Arquivo FOLHA



Em abril de 1989, o poeta Paulo Leminski vivia sérios problemas de saúde. Mesmo com o fígado necrosado por uma cirrose hepática, mantinha sua rotina de trabalho, anotava e escrevia.
Pouca gente sabe, mas os últimos textos escritos por Paulo Leminski foram publicados semanalmente na Folha de Londrina entre 7 de abril e 2 de junho de 1989. A colaboração ao jornal foi interrompida com sua morte ocorrida em 7 de junho 1989, aos 44 anos de idade.
Nesse curto período o poeta curitibano teve tempo de publicar oito textos, seus últimos escritos publicados em vida. Trafegando entre os gêneros crônica e o ensaio, Leminski chamava esses escritos de "textos-ninja": curtos, ágeis, certeiros, ferinos e reveladores.
Esquecidos em arquivos escuros por quase 30 anos, esses textos voltam à luz do sol com o lançamento de "Na Hora da Lâmina" que acontece neste sábado (14), a partir das 19h30, na Vila Cultural Grafatório. Organizado por Felipe Melhado, o livro resgata os textos de Leminski publicados originalmente na Folha em 1989.
Lançado pela recém fundada editora londrinense Grafatório Edições, "A Hora da Lâmina" é um objeto estético. Foi produzido de maneira totalmente artesanal. Dedos e mãos humanas estiveram presentes em todas as etapas de manufatura do livro.
O texto foi composto e impresso em tipografia com utilização de tipos móveis e prensado numa antiga impressora Heidelberg da mesma maneira como os livros eram feitos no século 16. As ilustrações de João Ruas foram impressas em clichês tipográficos do mesmo modo como eram reproduzidas as imagens dos livros do século 19. A encadernação e o acabamento foram realizados em costura manual, livro a livro, em capa dura de tecido.
"A Hora da Lâmina" resgata os modos de produção artesanal de livros que foi desumanizada pela fúria da industrialização moderna. A edição produzida coletivamente pelo Grafatório não propõe uma volta ao passado, propõe sim a humanização do livro enquanto objeto de leitura. O livro não apenas como suporte da arte, mas ele próprio como obra de arte.

Imagem ilustrativa da imagem As últimas palavras de um homem
| Foto: Fotos: Reprodução
Felipe Melhado, editor do livro que foi produzido de modo artesanal numa antiga impressora Heidelberg
Felipe Melhado, editor do livro que foi produzido de modo artesanal numa antiga impressora Heidelberg | Foto: Saulo Ohara
Imagem ilustrativa da imagem As últimas palavras de um homem



'TEXTOS-NINJA'
Dos oito textos reunidos no livro, em dois deles Leminski fala, com ironia, sobre os caminhos do rock nacional que, no final da década de 1980, estava deixando a rebeldia de lado para abraçar a comodidade. Em outro texto, Leminski fala sobre o caráter sórdido da publicidade em mobilizar desejos infantis nas pessoas com o claro objetivo obter lucro. Mas os textos mais reveladores são aqueles em que o poeta apresenta um entendimento metafórico da vida como guerra. No prefácio de "A Hora da Lâmina", Felipe Melhado analisa esse entendimento da seguinte forma: "O que o poeta nos diz é que seria possível compreender a vida sob um fundo essencialmente bélico. E nessa concepção estaríamos, todos nós, em permanente estado de guerra, engajados nas mais variadas batalhas do cotidiano. Enredados nessa campanha de uma vida inteira teríamos a oportunidade, então, de agirmos como verdadeiros estrategistas de si, inventando a nós mesmos como quem executa manobras bélicas. Leminski, animado com essa metáfora, passava a considerar ‘a vida como um ramo pedestre da nobre arte da guerra’. Para ele, a pedestre arte da guerra se daria na ‘codificação dos modos de ser cotidianos de cada pessoa, a assunção plena do caráter bélico do ato de viver’. A sugestão, em suma, era que indivíduo constituísse a si mesmo transpondo as estratégias próprias da guerra para a vida de todos os dias."
Em outro texto sobre as metáforas da guerra, Leminski cria com humor a teoria do "Plano Dois". Nada mais do que uma bem humorada teoria-piada que leva em consideração que a segunda hipótese pode ser a melhor solução. Ou seja, se na guerra do cotidiano alguma coisa deu errado com a primeira opção, basta abraçar a segunda opção como se estivesse abraçando a primeira. Uma teoria, nas palavras do poeta, que até "o mais imbecil dos generais é capaz de entende-la".
O mais impressionante nesses últimos textos escritos por Leminski, levando em consideração a situação em que ele vivia, a um passo da morte, é a total ausência de tristeza. Lucidez, intensidade, humor e vigor transparecem em todos os textos. As palavras de um homem que sabe que está, sem ressentimentos, próximo da derradeira batalha: "A guerra só é dolorosa quando você perde. Os derrotados odeiam a guerra, que adoravam até anteontem. Os vitoriosos não têm queixas."

Capa e páginas internas de ‘A Hora da Lâmina’: livro traz ilustrações de João Ruas



FRAGMENTO
As finalidades da guerra. Ataque. Defesa. Como atacar com inferioridade numérica. Como se defender quando os víveres escasseiam. Correlação de forças. O papel da comunicação na guerra. Como conduzir com sucesso uma boa retirada (que equivale, para Clausewitz, a uma vitória).
Me pautar por tais princípios levaria um desavisado a pressupor, atabalhoadamente, que tenho uma visão agressiva e feroz da vida, já que a conduzo sob as espécies da guerra.
Seria infeliz essa conclusão.
A guerra não é apenas dor e destruição, perda e desgraça, crueldade e fim da inocência.
Guerrear é uma das coisas mais divertidas da vida. Ocasião perfeita para cada um descobrir o que vale. Exploração de seus limites máximos. Sobretudo, oportunidade única para aprimorar a pontaria e clarear as ideias, principalmente essa ideia estúpida de que viver é paz e amor, quando todos os fatos apostam no contrário.

(Fragmento do texto "Plano Dois", de Paulo Leminski, que integra o livro "A Hora da Lâmina")

Serviço:
"A Hora da Lâmina"
Autor – Paulo Leminski
Editora – Grafatório
Edição e prefácio – Felipe Melhado
Ilustrações – João Ruas
Tipografia – Silvio Rogério Valduga
Encadernação – Danieli Barbara
Design Gráfico – Estúdio Mero
Patrocínio: Promic
Páginas – 68 (capa dura)
Quanto – R$ 50,00

Lançamento:
Sábado (14), às 19h30
Vila Cultural Grafatório (Rua Paul Harris, 1575)
Show "Valeu – Músicas Para Leminski" com Gustavo Galo