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Identidade
Fui à praça com Caetano e seu esqueite, lá estavam três meninos. Ele esqueiteou sempre de olho neles, até perguntar se queriam brincar de esconde-esconde. Antes falaram seus nomes, para a brincadeira funcionar: "Fulano, estou te vendo aí atrás da moita!" – lembra?
Semana depois voltei à praça sozinho e os meninos perguntaram: - Cadê o Caetano?
Lembraram seu nome. Amizades podem começar com um gesto, mas são sacramentadas pelos nomes. E, quando alguém nos chama pelo nome, nos sentimos reconhecidos e já ficamos mais receptivos.
Diante de um guichê, quase sempre sou atendido fria e secamente, como apenas mais uma unidade para atendimento. Mas então sorrio e peço com boa voz: - Seu nome, por favor? Depois peço o que tenho a pedir, dizendo seu nome, e vejo uma transformação: o atendente vira pessoa a me sorrir de volta, me vendo não mais como mais um, mas como gente.
Se num retorno ao guichê lembro o nome, a pessoa, bem poderá fazer por mim mais do que a obrigação, tornando-se parceira do meu problema.
Na escola, um menino se chamava Deodato, e isso motivava muitas brincadeiras. Ele engolia as brincadeiras mas visivelmente irritado, o que estimulava mais brincadeiras. Um dia, o professor de Latim - era naquele tempo em que as escolas davam Latim – percebeu a brincadeira e, na aula seguinte, ao fazer a chamada, parou no nome Deodato.
- Você sabe porque te deram esse nome?
Deodato apenas balançou a cabeça, não sabia, e o professor comentou como se casualmente:
- Pois é um belo nome, sabe o que significa? "Deo" é Deus em Latim, e "dato" é dado, portanto um nome "dado por Deus".
E em seguida falou olhando para mim:
- Como Domingos também vem de Deus, esse "Do" significa "a Deus", e "mingus" é "dedicado". Por isso chamamos de domingo o dia de descanso semanal, que dedicamos a Deus.
Eu detestava Latim mas, a partir daquele dia, passei a decorar com gosto todas as declinações e pronomes, que cheguei a decorar, falando tanto qui-quae-quod-etc que minha irmã falou nossa, parece um pato! Não sou pato, falei, sou Domingos, feliz com meu nome tão importante. Não virei latinista, mas vida afora passei a ter orgulho do nome, nossa primeira identidade. Até a brincadeira de esconde-esconde começa por não esconder o nome...

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Notícia da Chácara

Obra da natureza
Estava eu regando os vasos na varanda, quando na sala o telejornal anunciou mais uma obra pública inacabada, continuei regando e ouvindo: um porto no Piauí começou a ser construído há quarenta anos e a obra está abandonada, de tão mal feita.
Aí fiquei pensando quando teremos obras públicas entregues no prazo e... vi que estava regando justamente um de nossos vasos de flores-de-maio, todas as pontas das ramas com seu botãozinho, que engordará avermelhando e se abrirá gloriosamente. Podem vir chuvaradas ou seca nos assolar, não importa, em maio elas florem. Sempre. Sem atrasos nem dilatação de prazos, sem aditivos contratuais ou denúncia de corrupção. E não pedem mais que água uma vez por semana. Obra... da natureza.
Um dia perguntei a minha mãe se valia a pena cuidar de vasos que só florem uma vez por ano, e ela: - Cada um é do seu jeito. Se flor-de-maio florisse todo dia, era maria-sem-vergonha.
E o telejornal diz que o porto no Piauí virará terminal turístico, que bom. Florirá, ainda que tarde.