Faz tempo que não falo de política. Mas com a licença poética do cantor e compositor Lenine que na semana que passou deu entrevista ao programa Morning Show, da Jovem Pan, sobre política nacional, dizendo aquilo que muitos não querem ouvir, me animo a por pimenta no angu. Porque política também é cultura, como não?
Disse Lenine, com todas as letras:"não reconheço o governo que aí está, mas não reconheço também o outro", aquele que passou. Faço das palavras dele as minhas para ver se os que se fazem de desentendidos finalmente entendem. Atitude que tem se mostrado inútil, mas não custa tentar. Lenine disse mais, disse que da direita já sabíamos o que esperar, mas ao votar na esquerda tínhamos a ilusão de que as coisas mudariam, mas ficou igual, pelo menos no plano da corrupção. Esses mecanismos nunca funcionaram tão bem como quando os dois lados botaram graxa na máquina para engraxar ainda mais os bolsos. Ele disse que isso é imperdoável, eu digo que para mim também.

Imagem ilustrativa da imagem Acho que vi um gatinho
| Foto: Ilustração: Marco Jacobsen



A fala de Lenine vem num momento propício, na semana em que Lula deu aval à bancada do PT – com adesão automática do PCdoB – para negociar cargos na mesa diretora da Câmara em troca da reeleição de Rodrigo Maia, que é do DEM-RJ, e ponta de lança do governo Temer que, todos sabem, é do PMDB. Ou seja, ainda nadando na corrente do "golpe" eles lançam boias nas mesmas águas e fazem um "acordo de cavalheiros".
Na verdade existe no país uma tentativa de ilusionismo barato que divide o poder em partidos quando o que está em jogo é o que interessa a todos juntos. Mal sepultaram o chamado PTMDB e ele se levanta do túmulo como um fantasma que vem ao encontro da viúva inconformada.
Neste momento, vivemos no país a realização de uma situação que parece uma velha piada em relação aos políticos e suas peripécias, seu malabarismo para desmontar as graves suspeitas que recaem sobre eles. Não adiantam as provas colhidas pela PF, para alguns "nunca houve provas de corrupção", mesmo quando a gente tem conhecimento, por exemplo, de um documento com todos os detalhes da perícia na casa do sítio de Atibaia que "não é do Lula", embora lá dentro todos os objetos pessoais sejam dele, de troféus a roupas. Sem contar os produtos de beleza de Marisa Letícia que estão no banheiro da suíte principal da casa "que não é deles". Sem contar o barco "baratinho" com o nome de Lula e Marisa. Sem contar os cartões de uma empreiteira dando boas-vindas ao casal. Enfim, a materialização da velha piada sobre um bicho que tem "cara de gato, focinho de gato, unha de gato", mas alguns juram que "não é gato." E repetem a mentira que tentam por todos os meios transformar em verdade.
O que está em xeque é a propaganda ideológica que tenta separar uns dos outros, mas a simbiose da corrupção é tão enraizada que quando a gente puxa o rabo de um gato sai a família inteira. E haja fábula para se contrapor à verdade.
O que está em xeque neste acordo proposto por Lula é um salve-se quem puder. Um pacto como reedição das alianças que permitiram que todos se locupletassem. Mais ainda, o que tentam é uma fuga em massa da Lava Jato cujas 77 delações da Odebrecht estão agora no STF e, lamentavelmente, não estarão mais aos cuidados do ministro de Teoris Zavascki que faleceu na última quinta-feira. Chegou a hora do acordão de que falava Romero Jucá naquela ligação interceptada pela PF, lembram-se?
Mas para lançar um pouco de filosofia neste jogo de poder manjado, nada como um texto póstumo de Nietzsche chamado "Verdade e Mentira no Sentido Extramoral", de 1873, que trata do homem iludido. Para Nietzsche, o homem do rebanho chama de verdade aquilo que o conserva no rebanho e chama de mentira o que o exclui do rebanho. E quem faz oposição a essa lógica é visto como uma ameaça, como Lenine, que foi criticado. Ele é uma ameaça por dizer aquilo que todo mundo sabe: não dá mais para tratar as coisas como de "esquerda ou direita", o que interessa é o homem e o único pacto honesto é aquele que não nos leva a negar a cara do gato, o focinho do gato e o rabo do gato, tentando enxergar nele um papagaio. Mas os discursos que destoam do rebanho põem o protagonista em risco porque para alguns "a verdade é a verdade do rebanho", só que não. E faz tempo que vi um gatinho, embora muita gente jure que é só uma sombra no telhado para fingir que está tudo bem, satisfazendo suas ilusões de inocência e poder.