É muito difícil enquadrar a extensa produção de Mário Bortolotto em alguma categoria específica – ele é autor, ator, músico, diretor de peças de teatro e, mais recentemente, tem se aventurado pelo cinema. A obra do dramaturgo londrinense é descrita sempre como uma referência para se encontrar personagens à margem da sociedade (mas que não têm a menor vontade de se enquadrar nela, tornando equivocada a comparação com Plínio Marcos).
  Bortolotto fundou em Londrina, em 1982, o Grupo Cemitério de Automóveis, e faz parte do cenário do teatro paulista desde 1996, quando saiu de suas raiz pé-vermelha para tentar a vida na metrópole. Além de ser autor de mais de 30 espetáculos, publicou uma coletânea dos textos de seu blog, escreveu um livro de poesia e dois romances, e é vocalista da banda Saco de Rato Blues.
  Em 2000 ganhou o Prêmio APCA pelo conjunto da obra e o Prêmio Shell de melhor autor por sua peça ‘‘Nossa Vida Não Vale um Chevrolet’’. Em fevereiro deste ano, o Instituto Itaú Cultural promoveu uma homenagem ao dramaturgo – a Semana Mário Bortolotto – onde ele apresentou pela primeira vez seu novo projeto, o filme ‘‘Getsêmani’’.
  Esta semana, Bortolotto voltou para a sua cidade natal para a 12ªMostra Londrina de Cinema, onde participou do Júri Oficial da Competitiva Nacional e realizou a pré-estreia de seu novo projeto como diretor de cinema – o longa ‘‘Getsêmani’’.
  Em entrevista por e-mail para a FOLHA, o dramaturgo falou sobre sua primeira experiência como diretor de cinema, a exibição do longa no Cine Vila Rica e de seu novo projeto na linha ‘‘sem grana nenhuma’’.

  Folha de Londrina: Sua criação artística passa por vários universos culturais. Fazer cinema já era parte dos seus planos? Há quanto tempo?
  Mário Bortolotto: Sempre fui a fim. Mas na era da película, jamais acreditei que pudesse ser possível. Com o advento do digital, voltei a ter esperanças reais.
  
O seu filme, ‘‘Getsêmani’’, conta a história de um grupo extremista que sequestra um editor de livros de auto-ajuda. Ele tem um sabor de vingança dos excluídos da cultura mainstream?
  Ah, nem pensei nisso. Só pensei que seria uma boa história. Tem a ver com um negócio que o Pepe Escobar uma vez escreveu em um texto pro livro ‘‘Alma Beat’’. Era o texto ‘‘Let it Beat’’ onde ele conclamava as pessoas a saquearem livrarias e a obrigarem os editores a publicar todos os livros importantes. Foi desse texto que eu tive a ideia.

  Você definiu ‘‘Getsêmani’’ como um filme de ‘‘ínfimo orçamento’’. Quais foram as dificuldades de se fazer cinema com pouco dinheiro?
  Todas. E nenhuma. Já sabia que não tinha dinheiro, então não pirava em nada. Não dei o passo maior que as pernas, só isso.

  A sua primeira experiência como diretor de cinema atingiu suas expectativas?
  Atingiu sim. Até superou, graças à rapaziada que trabalhou comigo.

  Quais são as diferenças mais marcantes que você observou na direção de uma peça de teatro e de um filme?
  No filme eu tenho que pensar no olho da câmera o tempo inteiro, e também no corte. No teatro eu sempre penso na cena como um todo.

  A sua pré-estreia do ‘‘Getsemâni’’ foi marcada para uma sessão da meia-noite no antigo Cine Vila Rica, durante a Mostra de Cinema. Você sente um clima especial ao exibir o filme na sua cidade natal pela primeira vez?
  Eu tô contente. Assisti muito ‘‘Tom e Jerry’’ e ‘‘Jerry Lewis’’ no Vila Rica quando era criança. E todos os Trinitys e Tarzans.

  Existem planos para outros projetos cinematográficos no futuro?
  Agora eu vou ajudar o Neville D’Almeida na adaptação do meu texto ‘‘A Frente Fria que a chuva traz’’ pro cinema. Ele vai dirigir no ano que vem. E também quero fazer no mesmo formato ‘‘sem grana nenhuma’’ a adaptação do meu texto ‘‘Música Para Ninar Dinossauros’’. Vai ser de novo contando com a ajuda, o talento e a paciência dos meus amigos.