Imagem ilustrativa da imagem A serenidade nas urnas
| Foto: Marco Jacobsen



Começo o domingo com uma oração pelos incautos. Neste domingo de eleições municipais a bola em campo é o voto. Então, que Deus nos livre dos passes errados, dos gols contra a população, do chute dos populistas, dos candidatos que estariam melhor num palco do que numa tribuna pedindo votos. Que os eleitores tomem distância dos escandalosos, dos que abrem a boca em demasia, dos que dão na cara que seu discurso não é produto de reflexão, mas um arremedo dos programas de auditório onde se vendem engôdos.
Hoje, o discernimento da população é mais importante que qualquer programa ou discurso. A qualificação do voto deve motivar os eleitores, ainda que a política seja matéria de enganos. A parte mais nociva dos candidatos que se apresentam de forma patética é que carregam consigo seguidores fascinados pela sedução da ignorância, confundindo escândalo com força, vício com ideologia, blefe com opção partidária.
Outro dia vi um amigo transformar-se na minha frente enquanto falava encantado de sua ideologia. Sua expressão de olhos injetados e a testa franzida assemelhou-se a um transe. O amigo parecia tomado por algum espírito, mas eu sabia que o "espírito" era apenas a manifestação de sua opção exacerbada. Na sua fala não havia espaço para o debate, tratava-se de uma "verdade". Ainda assim senti pena, para não dizer compaixão.
Não consigo deixar de sentir a fragilidade de um amigo sob o peso de sua convicção extremada, ainda que eu não pense exatamente como ele. Todo excesso pesa, mas a verdadeira amizade é feita também de diferenças, não só de semelhanças. Gostar dos iguais é fácil. Gostar dos diferentes exige maturidade, talvez até transcendência.
Em dia de eleição é preciso enxergar quem está dos dois lados das urnas, nunca é demais lembrar que seu amigo não é aquele político que você detesta. É apenas ele mesmo com opinião diferente da sua. Muito do mal estar da política tem transbordado para as amizades, eu trabalho internamente para evitar o erro, às vezes com grande esforço.
Geralmente, olho nos olhos das pessoas e no fundo reconheço apenas José, Marta, Maria ou João. Alguns com medo de encarar os outros. Alguns fingindo que não viram os outros. Superar diferenças de ideias é a grande arte da convivência. Mesmo porque seria uma chatice um mundo igual, uniformizado e padronizado. Mas é preciso ser muito livre para jogar o jogo das diferenças.
Comece olhando nos olhos das pessoas para ver que ninguém é bicho-papão. São apenas gente com algumas camadas de tinta, algumas máscaras, algumas peles como aqueles feiticeiros tribais que se vestem para meter medo. A ideologia é a fantasia contemporânea de poder, os políticos sabem disso, os eleitores nem sempre. Muito do azedume que contamina as amizades é apenas fraqueza e falta de pulsão humanitária. A generosidade desmancha as couraças. Um modo de desmanchar o medo do outro é desmanchar primeiro o seu.
O que não nos impede de manter distância dos que fomentam grandes espetáculos, apresentando-se como "salvadores da pátria", ainda que sua atitude seja apenas mais uma peça do ridículo que é transformar escândalo em voto. Que neste domingo nossa mão não ponha nas urnas a opção pelo engôdo e que Deus nos livre dos "santinhos" e de seus seguidores.