Maura Baiocchi em ‘Artaud, Le Mômo’: espetáculo aborda os conflitos sociopolíticos e culturais de Antonin Artaud
Maura Baiocchi em ‘Artaud, Le Mômo’: espetáculo aborda os conflitos sociopolíticos e culturais de Antonin Artaud | Foto: Arquivo Taanteatro



Há um ano, a performer e coreógrafa Maura Baiocchi (Taanteatro Companhia, de São Paulo) estreava "Artaud, Le Mômo", por ocasião do 120º aniversário do poeta, ator e escritor francês Antonin Artaud (1896-1948). Espetáculo com base, sobretudo, no texto de mesmo nome, traduzido e adaptado pelo diretor da companhia, Wolfgang Pannek, mostra a luta do francês contra a institucionalização das formas de vida e a sua tentativa de conquistar um corpo soberano. A obra e período escolhido é pouco antes de sua morte, logo após ter saído do manicômio de Rodez, onde Artaud permaneceu internado de 1943 a 1946 e recebeu dezenas de eletrochoques. Anarquista nato, flertou com a insanidade durante toda sua existência, colocando à prova todas as certezas estabelecidas pela sociedade.

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Depois da grande repercussão que teve no exterior, arrancando críticas de especialistas no assunto, "Artaud, Le Mômo" chega à Londrina para duas apresentações durante o 49º FILO (Festival Internacional de Londrina), no domingo (13) e segunda-feira (14), às 20h30, no Teatro Mãe de Deus. Além da obra "Artaud, Le Mômo", o monólogo teatrocoreográfico multimídia é inspirado em textos como "As novas revelações do ser"; "Verdadeira história de Artaud, o Momo"; "Supostos e Supliciações"; "A face humana"; "O homem árvore", e encena a atualidade da poética artaudiana diante de nossos conflitos sociopolíticos e culturais, abordando a questão do conceito do "corpo sem órgãos". Esse é o quarto espetáculo da companhia com textos de Artaud.

Para colocar em cena à complexidade do artista e sua obra era preciso "libertar-se de tudo". Portanto, a encenação visceral de Maura Baiocchi em quase duas horas, que também assina a direção deste monólogo, combinada com uma trilha sonora vigorosa e projeções, dá vazão a um universo lúdico, ao mesmo tempo alucinatório de Artaud, conhecido como o criador do Teatro da Crueldade. "Pesquisei a obra e os elementos em textos diversos que pudessem ser poeticamente interessantes ao teatro e dessem a melhor ideia de reconstrução desse conceito que ele introduz, que é o conceito do corpo sem órgãos, também chamado de desinstitucionalizado. O texto "Artaud, Le Mômo", uma espécie de palestra que marcou o retorno dele à vida cultural parisiense, é apenas uma parte do espetáculo", explica Wolfgang.

A performance e toda a parte coreográfica, além da composição das outras mídias transportam o público a esse conceito. "Como o próprio Artaud dizia, não se trata de entrar nas coisas, mas de sair das coisas. E quando ele fala isso, eu me senti totalmente livre para dançá-lo, cantá-lo, de uma forma que não exista o certo ou errado; não há juízo de valor. O que está ali são intensidades, são forças. É uma liberdade expressiva tão radical, tão fora de tudo, e que é a própria vida com V maiúsculo, que não é essa vida social, institucionalizada, regrada, formatada ou educada. No palco, não há intenção de encaixar-se em uma forma bonita ou aceitável do que seja um corpo cênico, uma presença cênica ou o próprio corpo do Artaud. É um corpo que eu pretendo que seja uma força", destaca a atriz.

Maura Baiocchi, na França, com Serge Malausséna, sobrinho de Artaud
Maura Baiocchi, na França, com Serge Malausséna, sobrinho de Artaud | Foto: Arquivo Taanteatro



EU E O PERSONAGEM

Maura Baiocchi fala da construção do seu personagem
"Minha intenção nunca é fazer um retrato fiel dos personagens que trabalho. E, no caso do monólogo, não tenho o objetivo de ser o Artaud em cena. Não fiquei exaustivamente pesquisando aquele corpo do Artaud, porque eu não sou o Artaud. O que tento é captar as energias que vêm da obra dele e como 'batem' em mim aquelas palavras. O artista é a própria obra; se você se impacta e isso o contamina de uma maneira positiva e criativa, tudo já age no seu corpo. Não estou preocupada em como falo, me movo, se é bonito, feio, se a voz é agradável ou não. O texto dele é o que, realmente, me impulsionou para criar a expressão gestual, a expressão vocal, a trilha sonora e todas as mídias ali presentes, que tiveram, também, uma equipe por trás trabalhando e pensando. São processos de anos, às vezes, para uma obra chegar em um lugar, digamos, onde o autor queria dizer".