Um dos criadores do coletivo Poesia Maloqueirista, formado em São Paulo, Renato Limão quer disseminar o movimento no Paraná e busca parcerias
Um dos criadores do coletivo Poesia Maloqueirista, formado em São Paulo, Renato Limão quer disseminar o movimento no Paraná e busca parcerias | Foto: Fotos: Divulgação



21 de março, dia escolhido para celebrar a presença dos versos na literatura e nas artes. É o Dia Mundial da Poesia. Ainda que, no Brasil, ele seja comemorado em 31 de outubro, juntamente com o aniversário do renomado poeta Carlos Drummond de Andrade, a data serve para relembrar a relação entre os brasileiros e seus versos, dos mais variados estilos.

A história da poesia do Brasil começa no século XVI, o primeiro século da colonização, com a chegada dos padres da Companhia de Jesus e, mais especificamente, com José de Anchieta. Anchieta foi um jovem jesuíta das Canárias, evangelizador e mestre que, segundo a tradição, escreveu 4072 versos latinos à Virgem nas areias da praia de Iperoig, atual Ubatuba, em São Paulo. De lá pra cá, ao longo dos séculos, a poesia brasileira passou por várias escolas, até chegar ao final do século XX, com o chamado de pós-modernismo.

Em contrapartida com as denominações e conceitos da literatura da época, além da busca por uma fuga do sistema totalitário que vigorava no Brasil, na década de 70, uma união de poetas como Paulo Leminski, Torquato Neto e Chacal, deu origem ao movimento "marginal" da poesia. Eram os chamados "poetas marginais" ou "geração mimeógrafo", que representavam a contracultura nacional e buscavam uma forma alternativa de propagar sua arte, longe das grandes editoras.

A mudança gerada por esses grupos foi tão marcante para o país que, ainda hoje, vemos essa influência pelas ruas e cidades brasileiras. Essencialmente, a nova poética urbana nasce quase sempre da necessidade dos artistas em jogar nas ruas mensagens ou versos que desacelerem um pouco o ritmo industrial com o qual as grandes metrópoles se acostumaram a viver. Isso tudo de uma maneira independente, assim como os poetas marginais de 70.

Um desses poetas é Renato Limão, atualmente morador da vizinha cidade de Rolândia. Renato começou na poesia em 1992, com apenas dez anos. A vontade surgiu quando o menino leu um livro de Pablo Neruda - poeta chileno falecido em 1973, um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México. "Minha mãe tinha uma biblioteca grande, com muitos livros e eu acabei me interessando por Pablo Neruda . Foi aí que eu comecei a escrever meus poemas. Lembro de ter mostrado para o meu padrasto e ele, em tom de brincadeira, me falar que tava ruim demais", conta Renato. Essa relação com a família e os livros foi o incentivo que bastava para que se interessasse mais e mais pela literatura, e com 14 anos, Renato passou a distribuir suas poesias pelas ruas de São Paulo, onde vivia na época. "Toda semana eu imprimia e ia na Paulista distribuir gratuitamente. O triste é que a maioria das pessoas jogava fora. Foi aí que um amigo, que também trabalhava por lá, veio falar comigo. Ele me disse "Ah Renato, você tem que começar a cobrar pelo seu trabalho". Infelizmente a galera não valoriza quando recebe de graça, não dá atenção, acaba jogando no lixo". O poeta passou então a cobrar pelos folhetos e, como previsto pelo amigo, ganhou mais visibilidade, o que o fez permanecer com essa divulgação alternativa na Paulista até os 18 anos.

Imagem ilustrativa da imagem A poesia na contramão



Da época, a única coisa que faz Renato se ressentir é a falta de arquivos das poesias que distribuiu. Ele conta que sente falta de poder ler e mostrar para as pessoas esse trabalho, do início de seu contato com a literatura marginal. De resto, essa experiência foi base importante para que o artista alçasse voos maiores. "Com 18 anos me bateu uma vontade de sair viajando pelo país, divulgando o meu trabalho em várias cidades e estados. O Berimba de Jesus, também poeta e amigo de longa data, sentia a mesma vontade. Na época, ele trabalhava em um escritório de arquitetura, mas se demitiu e junto comigo, fundou o Movimento Maloqueirista". Juntos os amigos passaram por inúmeras cidades - Rio de Janeiro, Juíz de Fora, Belo Horizonte – escrevendo e distribuindo versos.

O coletivo, Poesia Maloqueirista, que é o atual nome, é uma união de artistas ligados à literatura, que completa 15 anos de existência esse ano. O grupo já publicou livros de 25 autores diferentes e, além disso, promove o eventos como o Tinta Fresca, em que poetas e artistas de outras áreas se juntam para recitar os poemas, fazer batalhas de rima e música. Renato conta que o plano e desejo futuro é realizar esses projetos, uma espécie de continuação do Poesia Maloqueirista, também aqui no Paraná. O que falta, para pôr o plano em prática é conseguir parcerias, um local adequado, além de verba para a divulgação e afins.

Atualmente, além de ainda fazer parte do coletivo, mesmo que à distância, o poeta conclui o terceiro livro, que espera conseguir publicar através de uma editora. Os dois anteriores foram produzidos e distribuídos de maneira independente. 200 cópias impressas e espalhadas pela cidade, mão a mão, relembrando os passos de seus predecessores da saudosa "Geração Mimeógrafo".

Preta Saúde Aos comprimidinhos mágicos Que descomprimem peitos Não fosse a cerimônia do cumprimento Levaria bem minha timidez Maturei sonhos acordado Dormi de dia, o dia todo, a semana toda Não, não pude Estive sorridente Nas convenções dos seres Não pude definhar uma semana, dois meses Não pude amadurecer Um comprimidinho pela manhã Uma tarde toda sem pensar Não tardo Que não seja tarde Não importa a cor da tarja. (Renato Limão)



O grito mimeografado
Chacal, Paulo Leminski, Ana Cristina César, Torquato Neto, Waly Salomão. Nomes que, na década de 70, mudaram para sempre o jeito de fazer poesia. Longe das grandes editoras, representavam a contracultura nacional, de forma a representar o movimento que atingiu as artes - música, cinema, teatro, artes plásticas, literatura - e influenciou diretamente na produção cultural do país.

Sendo assim, esse movimento dito "marginal", absorveu o grito silenciado pela Ditadura Militar e, portanto, a união de artistas em geral, agitadores culturais, educadores e professores, fez com que buscassem uma forma de divulgação da arte e da cultura brasileira, reprimida pelo sistema totalitário que vigorava no país. Para tanto, inspirado nos movimentos de contracultura, a denominação "Geração Mimeógrafo" remete justamente à sua principal característica, ou seja, a substituição dos meios tradicionais de circulação de obras para os meios alternativos de divulgação empregado pelos artistas independentes ou os "representantes da cultura marginal", os quais sentiram a necessidade de se expressarem e, sobretudo, divulgarem suas ideias. Entendia-se por cultura marginal todas as manifestações artísticas que não se encaixavam nos moldes artísticos da época. A exemplo dos primeiros modernistas, os poetas marginais romperam com a tradição vigente, provando que a poesia não é uma musa intocável, distante da realidade dos meros mortais: a poesia está presente no cotidiano das grandes e pequenas cidades, nas periferias, presente na vida dos homens e das mulheres comuns.

Dessa forma, a partir desse movimento revolucionário literário, a produção poética "fora do sistema" era divulgada pelos próprios poetas a partir de pequenas tiragens de cópias - os poetas recorriam ao mimeógrafo e às fotocopiadoras para reproduzirem seus textos - distribuindo-os ou os vendendo a baixo custo em eventos relacionados com a cultura marginal. Dentro desse contexto, os poetas marginais também recusam se encaixar em rótulos de qualquer modelo literário, já que consideravam não se enquadrar em nenhuma escola ou tradição literária, permanecendo a margem das convenções.(D.S.)