"Luis Antonio – Gabriela", espetáculo da Cia Mugunzá de Teatro, de São Paulo, dirigido por Nelson Baskerville, foi apresentado na quinta-feira (12), no Teatro Ouro Verde, dentro da programação do 15 º Festival de Dança de Londrina. Ao fim do espetáculo, o público aplaudiu o elenco em pé por vários minutos e sem vontade de parar, numa demonstração do quanto uma montagem que aborda de forma absolutamente humana a questão do gênero pode afetar pessoas sensíveis ao tema que não pode mais passar despercebido. Trata-se de uma necessidade de nosso tempo no sentido de reduzir as discriminações contra gays e travestis que chegam à violência criminosa.

O travesti Gabriela, nascido Luis Antonio numa família classe média nos anos 1950, representa a trajetória de milhares de pessoas que pagam o mesmo preço por sua identidade de gênero. Da vida familiar à vida noturna em boates de Bilbao (Espanha) – rota que se intensificou com a debandada de homossexuais que pegaram o caminho da Europa, em busca de oportunidades de vida e trabalho mais livres, nos anos 80 - sua história é um tapa sensível nas bandeiras moralistas que insistem em desqualificar pessoas por seu gênero, tornando-as vulneráveis a vários tipos de agressão, incluindo as tentativas de torná-las invisíveis.

Realista e poético ao mesmo tempo, o espetáculo se vale de uma montagem que utiliza várias linguagens: música ao vivo (executada pelos próprios atores), dança, vídeo e teatro regadas à crítica e humor que se equilibram tornando tudo mais fluido, apesar do tema sério, sofrido e pungente.
Ao levar para o palco sua história familiar, Barksville faz um acerto de contas com a própria consciência por não ter compreendido a vida do irmão mais velho que transgrediu as regras ao se tornar um travesti, rompendo os limites da moralidade. Ao fim do espetáculo, o diretor faz um pedido de desculpas, através de um letreiro luminoso que se adapta perfeitamente à estética escolhida para a montagem, afirmando que "não soube lidar com aquela situação". E quem saberia? Estaríamos prontos para enfrentar algo parecido em família que não resvale no preconceito ou omissão num mundo em que a censura é ciclicamente revigorada em sua força de ataque contra as diferenças e os diferentes?

Luis Antonio, que passa a ser Gabriela, morreu de Aids em 2006. No palco, após sua morte, há espaço para um show no paraíso, no qual a pergunta que não quer calar bate nos ouvidos da plateia como um mantra a mostrar que os sentimentos estão muito além do moralismo: "No céu não existe homem nem mulher, mas apenas almas". Com este desfecho, o público sai do teatro levando para casa uma reflexão que encerra uma questão existencial e espiritual que nos devolve a compreensão do que somos na essência, e isso é o que importa.

"Luis Antonio - Gabriela" teve uma única sessão no Festival de Dança de Londrina, funcionando como uma janela teatral que trouxe para a cidade o que há de melhor no palcos brasileiros. Considerado o Melhor Espetáculo pelo prêmio APCA de 2011, a montagem mostra vigor e atualidade, em total sintonia com os momentos de tensão que a ameaça de censura deflagra a cada vez que reaparece com uma brutalidade que nunca foi extinta, nos espreitando nos momentos em que estamos distraídos entre o fechar e abrir das cortinas da contemporaneidade carregada de impasses.