Houve uma época que a imagem de garotos se divertindo durante uma pelada causava depressão a Val de Mello, 45 anos, o técnico campeão paranaense pelo Iraty. Promessa do juvenil do Londrina no início dos anos 70, o ex-meia-direita soube driblar a infância pobre mas não resistiu à violência implacável dos zagueiros do então futebol tricampeão do mundo.
Cansado do estaleiro e das parcas esperanças que a medicina lhe dava – ele teve a mesma contusão que ameaçou a carreira de Ronaldo (descolamento da rótula do joelho), desistiu do profissionalismo aos 22 anos, e foi ser oficce-boy em uma concessionária de veículos.
Nos anos 70, o País respirava futebol e prestava reverência única aos craques, quase sempre descoberto entre os que hoje são chamados de ‘excluídos’. ‘‘Às vezes, a caminho do trabalho eu parava do lado de um campinho de terra, a molecadinha jogando... Ficava olhando sem saber o que faria da minha vida sem o futebol. Não me conformava’’. Sem poder contar com o dinheiro do futebol, Val sabia também que sua oportunidade de ascensão social havia se reduzido drasticamente.
Na verdade, era o fim de uma saga. Desde que começou a levar o futebol (e o futebol de salão) a sério, aos 13 anos, no final dos anos 60, as contusões graves passaram a testar a persistência de Val. Quando pendurou as chuteiras, as cicatrizes já estavam nos dois joelhos (ele fez oito cirurgias no joelho – cinco no direito e três no esquerdo) e o medo de viver outro pesadelo o fragilizava.
Enraizado na Vila Casoni, o bairro central que remete aos pioneiros de Londrina, Val de Mello viveu intensamente o futebol amador da região na adolescência, mas sem a aprovação dos pais. Tinha que dividir o tempo com escola e ‘‘bicos’’.
Foi engraxate, guarda-mirim e principalmente auxiliar de pintor de parede, a profissão do pai, Tarcísio (hoje com 76 anos). ‘‘Apanhava de cinta direto porque era péssimo aluno. Só pensava em futebol’’. A última surra foi antes da maior aventura da sua vida, quando fugiu com o Circo do Peteleco e ficou 40 dias viajando pelo Paraná, vendendo ingressos e pirulitos, preparando as cadeiras e o picadeiro. ‘‘Ali, meu pai compreendeu que nunca conseguiria me tirar do futebol’’.
De office-boy, passou a vendedor, de vendedor a gerente. A desilusão esportiva não atrapalhou sua ascensão na Maracaju Veículos, empresa na qual trabalhou 16 anos. Convidado a treinar equipes amadoras de cidades da região, acabou ganhando títulos e deixando a vida no escritório. Foi parar no júnior do LEC em 1996. Foi campeão estadual dois anos depois. Em 1999, assumiu o profissional e ganhou o título da Segundona Estadual. Em 2000, se transferiu para a Portuguesa Londrinense, onde também conseguiu a ascensão à divisão principal. Está há nove meses no Iraty, clube que lhe deu reconhecimento interestadual. ‘‘É um momento muito especial. Não dá para esquecer o que sofri, que deixei de ter uma carreira como jogador. Mas ameniza muito tudo isso’’, desabafou.