O carioca Rafifa é o primeiro jogador de games FIFA do Brasil a ser contratado por uma equipe europeia, o PSG
O carioca Rafifa é o primeiro jogador de games FIFA do Brasil a ser contratado por uma equipe europeia, o PSG | Foto: Divulgação


Arena lotada com milhares de torcedores, telões de alta definição espalhados por toda a parte e atletas altamente competitivos em busca da vitória. Tudo isso sendo transmitido para milhões de pessoas pela internet e principais canais esportivos do mundo. Bem, se o leitor pensou que se tratava de um jogo da NBA ou o Super Bowl, errou. Toda essa estrutura está ligada ao eSport – ou esporte eletrônico -, termo que se refere a competições de jogos eletrônicos variados e que tem ganhado força absurda no País e em todo o mundo.

É isso mesmo: jogar games se tornou esporte competitivo, que exige inclusive Centro de Treinamento para os atletas, contratações de peso e investimento alto de empresários. O negócio é tão significativo que ex-atletas como Ronaldo "Fenômeno" e Shaquille O'Neal têm colocado dinheiro em equipes. Clubes de futebol - como Santos e Remo no Brasil, e PSG e Manchester City pelo mundo - também têm feito um trabalho sério e ligando suas marcas à equipes. Os games jogados neste "mundo virtual" são os mais variados possíveis: jogos de esportes tradicionais como FIFA, estratégicos como o famoso League of Legends (o LoL) ou DotA, luta como Street Fighter e os conhecidos games de tiro (FPS), como é o caso Counter Strike e Overwatch. Não importa, se o jogo tem fator competitivo, pode se tornar um eSport a qualquer momento.

Os números falam por si só. A expectativa é que esse mercado movimente US$ 1 bilhão pelo mundo em 2017. No exterior, existem campeonatos que premiam na faixa entre US$ 15 milhões e US$ 20 milhões. No Brasil, os valores ainda não chegam nestes patamares, mas o cenário não para de crescer. Estima-se uma faixa de 60 milhões de jogadores online.

Feira
Marcelo Tavares é organizador e idealizador da maior feira de games da América Latina, a Brasil Game Show (BGS), que chega à sua 10ª edição em São Paulo no mês de outubro. Ele explica que este ano a feira deve bater o número de inscrições de 6 mil jogadores que irão participar de competições de eSport durante o evento. "Nossa atenção a este movimento está cada vez maior. Teremos uma grade área com plateia, equipe de transmissão, 19 câmeras, vários telões de LED, tudo isso do lado de uma feira exclusiva de acessórios para eSports".

Para ele, a audiência já tem absorvido esse cenário como esporte e o tamanho da movimentação prova isso. "No ano passado, nossa arena ficou lotada o tempo inteiro. As finais dos campeonatos foram transmitidas para mais de 2 milhões de pessoas, inclusive pelo canal Esporte Interativo. É algo impensável de imaginar há algum tempo quando falávamos de PC e videogames".

Resultados
Tavares relata ainda que os atletas brasileiros já conseguem ter resultados expressivos, principalmente aqueles que integram times internacionais. Um dos casos bem bacanas é do carioca Rafael Fortes, conhecido como "Rafifa", de 21 anos, que este ano se tornou o primeiro pro-player brasileiro de FIFA a ser contratado por um clube de futebol na Europa no esporte eletrônico. Rafifa é bicampeão brasileiro do game e já esteve presente em dois campeonatos mundiais.

Em relação ao mercado e retorno financeiro, o especialista acredita que o movimento será maior em médio prazo. "O eSport tem várias formas de retorno. O jogador profissional recebe salário, auxílio moradia no CT. Os times têm seus patrocinadores e investidores, recebe premiações... Os veículos de transmissão também têm seus patrocinadores. Tudo isso com uma tendência grande de crescimento".

Canais de esportes já investem em transmissões

Se alguém tinha dúvida de que jogar games de forma competitiva atingiria o "status" de esporte, os principais canais esportivos de televisão, sem dúvida, ajudaram a acabar com ela. Casos, por exemplo, da ESPN, SporTV e Esporte Interativo. No Brasil, esses veículos já transmitem diversas competições ao vivo dos mais variados games, seja pela internet ou na grade da programação na TV. Um movimento que foi percebido há tempos e hoje, em alguns casos, já supera a audiência de certos esportes com menor expressão no País.

A ESPN, por exemplo, flertou com o eSports por alguns anos até que, finalmente, o canal estruturou uma unidade de negócios para tratar especificamente sobre o tema. Com a indústria e os campeonatos se organizando melhor, o canal iniciou conversas e criou estratégias para emplacar a cobertura no canal. "Quando estruturamos a unidade, nossas primeiras conclusões foram que o negócio veio para ficar e está num processo de maturação, com ligas mais sólidas", explica o diretor de novos negócios da ESPN, Alexandre Biancamano.

O movimento mais natural foi começar na plataforma digital, com o assunto eSports sendo abordado dentro do site. Desde o começo, o canal já contratou especialistas no assunto, já que não quis arriscar que os jornalistas da casa aprendessem o tema e, assim, ficassem suscetíveis a não utilizar a "linguagem correta".

O próximo passo foram as transmissões de eventos por meio do aplicativo de TV WatchEspn e, com o bom feedback do público, finalmente o eSport conquistou espaço na TV, na grade da ESPN +, com três programas semanas e transmissão de jogos que totalizam 200 horas por mês. As transmissões são dos mais variados games possíveis, como LoL, CS, Fifa, Clash Royale, entre outros. "Somos um canal multiesporte, e no eSport queremos o portfólio mais variado possível. É claro que a grade tem um limite, mas ainda não estamos no ponto de fazer escolhas, conseguimos cobrir tudo. Num determinado momento escolheremos (os games) em termos de performance".

Na ESPN, os eSports por exemplo já têm uma audiência equiparada ao surfe. Além disso, Alexandre explica que já absorve uma faixa etária de 4 a 12 anos, que antes não consumia o canal. Outro ponto interessante é que os telespectadores que assistem aos esportes tradicionais já estão dando atenção ao eSports, e vice-versa. "Já percebemos que quem gosta de eSport, gosta de NFL, por exemplo. Acreditamos que ainda há um caminho de grande evolução e, em termos de médio prazo, esperamos que todas as linhas estejam mais estruturadas e com um calendário sem sobreposições. Tem muita coisa para acontecer em toda a cadeia do negócio".

Ronaldo Fenômeno: de lenda ao Legends
No longínquo 2001, os irmãos Cléber Fonseca e Carlos Júnior jogavam o game Counter Strike com os amigos, tudo não passava de um hobby sadio. Naquela época, o atacante Ronaldo Fenômeno já era consagrado internacionalmente, atuava pela Inter de Milão, e um ano depois seria uma das peças fundamentais para a conquista do pentacampeonato Mundial pela Seleção Brasileira, no Japão e Coreia.

Se passaram alguns anos e a brincadeira dos irmãos se tornou um negócio lucrativo: os jogos eletrônicos cresceram no País e hoje eles são os cabeças do CNB eSports, um dos principais clubes de jogos eletrônicos do País, com atletas profissionais de 19 a 25 anos dedicados ao game League of Legends (LoL). O que eles nunca imaginavam é que aquele Ronaldo do penta, uma lenda de um dos esportes mais tradicionais do planeta, se tornaria sócio investidor no negócio deles.

Essa tendência de investimentos pesados no eSports, curiosamente, tem atraído ex-atletas profissionais e além dos clubes de futebol. Ronaldo não apostou no negócio por acaso: o CNB cresceu 60% no último ano, e hoje conta com 15 funcionários, entre jogadores, comissão técnica, psicólogo, mais staff. Um time campeão.

Na comparação com o futebol, a equipe de esportes eletrônicos seria o Santos Futebol Clube dos games, já que é um dos que mais tradicionais e que revelam jogadores para o cenário LoL do País. "Nossa empresa é muito parecida com um clube de futebol, inclusive nas fontes de receitas, que vem de patrocínios, ações específicas, direitos de transmissão, premiações em campeonatos, entre outras", explica o CEO e fundador, Carlos Junior.

Como não poderia ser diferente, esses atletas dos campos virtuais precisam treinar, e muito. No caso do CNB, eles possuem um centro de treinamento em São Paulo, onde os atletas moram e treinam por volta de 8 horas por dia. "Nós tínhamos que convencer a nós mesmos que éramos um esporte. Depois convencer os clubes, os jogadores, investidores, a televisão... Hoje chegamos a este nível, para jogar é preciso coordenação motora, treinamentos, temos torcida fanática e transmissões".

Junior lembra que quando soube do interesse de Ronaldo e o negócio se concretizou em janeiro deste ano, ele achou "surreal, incrível e uma verdadeira honra". "Sempre achamos que o negócio ia ser grande e quando o Ronaldo investiu, vimos que o trabalho estava indo no caminho certo. Não tenho dúvidas de que no futuro o eSport vai estar maior do que hoje. Somos a primeira geração, mas logo os nossos filhos estarão jogando e torcendo por equipes. Vale dizer ainda que este é o esporte mais inclusivo que existe, em que altos, baixos, mulher, homem, gordo, magro, todos podem jogar juntos. Teremos torcida maior do que muitos esportes". (V.L.)