O arquiteto Matheus Pivetti, 31 anos, lembra que trabalhar sozinho tem suas vantagens, mas reforça que é necessário ser disciplinado
O arquiteto Matheus Pivetti, 31 anos, lembra que trabalhar sozinho tem suas vantagens, mas reforça que é necessário ser disciplinado | Foto: Gina Mardones - Grupo Folha

Independência, autonomia e o desejo de ser chefe de si mesmo é o que leva muitos a trabalharem por conta própria. É nesse contexto que o número de profissionais autônomos tem aumentado a cada ano no Brasil. Cerca de 23 milhões de brasileiros são trabalhadores independentes, segundo dados do IBGE de 2018 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em comparação com 2017, o País teve um aumento de 2,8% de profissionais autônomos. Mesmo dentro de empresas, cada vez mais há a procura pela contratação de serviços e não pela CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), muito por conta da reforma trabalhista. Os trabalhadores que se encaixam nessa categoria são autônomos tanto economicamente quanto profissionalmente e trabalham sozinhos.

Hoje, as empresas têm evitado a contratação pelo regime tradicional porque estão muito preocupadas com os custos. “Elas estão dando prioridade para não oferecer estabilidade trabalhista. Elas não querem dar férias, 13º salário ou vale alimentação”, argumenta Rubens Dias, executivo de finanças da Innovativa Executivos Associados.

Esses trabalhadores não tem necessariamente qualificação profissional. Entre os motivos para o crescimento desse tipo de trabalho, o especialista acredita que estão a formalização e desburocratização da categoria com a criação do MEI (Microempreendedor Individual) em 2008 e a procura por uma maior qualidade de vida em detrimento da estabilidade do emprego formal. “Se somarmos isso a outros fatores, como por exemplo, uma demanda maior por prestadores de serviços, o resultado será um aumento ainda maior para este ano”.

Mas, para além do próprio ofício, ser chefe de si mesmo é um trabalho a mais que requer organização e planejamento para não passar aperto. Segundo Dias, o profissional que toma a decisão de ser autônomo não tem vínculo de chefia ou horário pré-determinado. “Ele pode até fazer o trabalho home office, dependendo do trabalho você consegue atender a demanda de casa”, lembra.

Imagine mesmo as profissões que são regulamentadas, como médicos, dentistas e engenheiros, essas profissões dão a opção de trabalhar de casa. O engenheiro pode desenvolver todo o projeto e só na hora de implementar ir ao local”, pontua.

Foi o que fez Matheus Pivetti, 31. Formado pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) em Arquitetura e Urbanismo, ele começou a atuar como autônomo em 2014. Antes de ter um escritório, fazia os projetos de casa e atendia os clientes na padaria. Até que, devido à quantidade de projetos, teve de contratar estagiários. “Tive que me mudar para uma sala comercial. Arquitetos não se enquadram no MEI (microempreendedor individual), então tive que abrir CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica)”, conta.

Das vantagens, como o profissional autônomo não necessita prestar contas a um superior ou seguir uma hierarquia, que é exigida em regimes de CLT, ele poderá seguir sua própria metodologia de trabalho, conforme Dias. Proprietário do Studio Cube de arquitetura, Pivetti lembra que trabalhar sozinho tem suas vantagens já que é possível controlar os horários e ter liberdade de criação e decisão. Mas é necessário que ele não seja indisciplinado.

William Santiago, 27, também se graduou pela UEL, em design gráfico, há quatro anos. Na época, ele já trabalhava em uma agência de publicidade voltada para o mercado de moda. O trabalho convencional não o permitia desenhar tanto o quanto queria. “Eu já queria sair, mas a agência faliu e eu aproveitei o seguro desemprego para ficar em casa. Não sabia o que ia fazer, mas sempre gostei de desenhar”.

Com o foco em ilustração, Santiago pegou trabalhos de freelancer e ficou em casa para trabalhar. Há quatro anos é autônomo. “É um privilégio ser autônomo e administrar seu tempo. Mas, junto com isso, vem muita responsabilidade. É um trabalho sem salário fixo no começo do mês”. Além do salário instável, Dias lembra que ele também não tem benefícios. “Se ele trabalha em uma determinada empresa, ele recebe à medida que executa as tarefas. Se ele se propõe a fazer um projeto de 200 horas, ele só vai receber quando ele concluir o projeto”.

Santiago vive na pele a berlinda da insegurança trabalhista. O planejamento do autônomo tem de ser bem estruturado. Isso porque, até receber, vai um longo período. O designer faz tudo sozinho, procura os clientes, oferece portfólios e fecha contratos. “Mas se eu fecho um contrato hoje vou receber só em 60 ou 90 dias, e tenho que administrar”.

Entre os autônomos, há aqueles que aceitam todos os serviços e, pelo fato de o trabalho ser flexível, trabalham excessivamente em horários de descanso. Santiago conta que, por conta disso, só fecha contrato com trabalhos maiores. “É mais interessante que o trabalho traga um retorno maior. É mais legal do que pegar um monte de coisa picada e não fazer nenhum bem feito”, acrescenta o designer.

Quando ele se propõe a realizar esse trabalho ele precisa levar em consideração tudo isso, se ele não tiver habilidade de colocar os riscos e benefícios dentro do preço dele, ele não vai conseguir um convênio médico, ele vai ter que pagar do bolso dele, dentista, exames, tudo isso são desvantagens em relação ao funcionário de CLT”, argumenta Dias.

CAUTELA

Esses trabalhadores precisam fazer um cálculo de taxa-hora que inclua tais benefícios trabalhistas dentro do preço, a fim de que tenham uma reserva, conforme lembra o especialista. “É muito difícil fazer reserva nesse País. As pessoas infelizmente não estão acostumadas. Mas o autônomo tem, sim, que se preocupar com isso”, pontua o especialista.

Porém, Santiago conta que é difícil incluir no preço de seu serviço uma reserva para imprevistos. “Quando a gente fala de design, a coisa mais difícil é o preço. Eu venho trabalhando muito com publicidade e pegando ideias de um valor de trabalho para publicidade, que é diferente de um valor de um livro, de um trabalho editorial”. Pivetti também acredita que o mercado londrinense não comporta valores adequados aos serviços.

A regra básica para ter uma boa administração financeira é não misturar as contas da empresa com a pessoa física, de acordo com Dias. “O ideal é ter duas contas correntes, preferencialmente, em instituições financeiras diferentes. Assim é possível fazer uma segregação adequada da conta profissional e pessoal, até porque os rendimentos são distintos”.

Para se organizar, o arquiteto disse que toma nota de todas movimentações na sua conta corrente e aplicativos também o auxiliam, além de um contador. A dica do arquiteto para quem quer largar um trabalho fixo e começar prestar serviços de forma autônoma, é investigar e estudar bem as concorrências antes.

Não dê um passo maior que a perna. Use muito bem as mídias sociais e não saia fazendo dívidas antes mesmo de ter clientes”. Pivetti acredita que o mercado, ao enfrentar uma crise econômica, busca mais preço e qualidade do que marcas. “Consiga cobrar uma margem para que tenha lucros e não gastos”.

Seus lucros são indefinidos e incertos, toda empresa depende da sua capacidade de venda, controle, administração e qualquer responsabilidade ou problemas jurídicos cairão sobre você. Se você preza por rotina e tranquilidade pode esquecer, sempre haverá um novo desafio, lembrando que você é responsável por qualquer erro que um funcionário venha a cometer”.

O trabalho feito de casa

William Santiago é autônomo. Faz tudo sozinho, desde atendimento até a produção, e conta que “foi na raça” que aprendeu, já que os conhecimentos da faculdade valem só para o ofício e não para a administração de um negócio. “É um privilégio trabalhar de casa e fazer meu horário. Mas eu não consigo me imaginar trabalhando no fim de semana como eu fazia antes. No começo da semana eu consigo dar um gás para na sexta feira à tarde parar de fazer”. Diferentemente do trabalho tradicional, o do designer nem sempre tem a mesma produtividade, porque ele depende de inspiração e criatividade para ilustrar.

Mas, trabalhar no local de descanso nem sempre dava certo. Ele lembra que era “irresponsável” à época. “Eu trabalhava de frente para a minha cama, era muito difícil. No começo fui bem irresponsável, mas hoje funciona muito bem”. Para ele, a flexibilidade de poder ter férias quando quiser é uma das vantagens.

Com a demanda de serviço maior, Santiago mudou para um apartamento onde tem seu próprio escritório. “A coisa cresceu mais ainda, aí abri uma empresa”, conta. De sua casa, Santiago trabalha para o mundo inteiro. “Meus clientes não são de Londrina, tenho contatos bons, trabalho para grandes marcas fora do Brasil e em campanhas, já fiz para a Natura, Nestlé, Havaianas e Farm”, conta.

A dificuldade de ser autônomo está na instabilidade do salário. “Hoje eu consigo administrar bem. Na minha cabeça eu fiz um salário fictício que tenho que bater todo mês. Às vezes consigo passar a meta, mas não é porque passou que no outro mês não vou trabalhar”.