Há nove anos, loja de móveis planejados tem momentos de orações antes de abrir as portas; sócia afirma que prática reflete no cotidiano da empresa
Há nove anos, loja de móveis planejados tem momentos de orações antes de abrir as portas; sócia afirma que prática reflete no cotidiano da empresa | Foto: Roberto Custódio


O que significa ser um bom líder? Essa é uma pergunta que tem ventilado no universo corporativo porque as "fórmulas" que funcionaram durante muito tempo, não se aplicam mais na atualidade.

Isso quer dizer que a prática de gestão não depende mais apenas do conhecimento técnico, mas também de competências socioemocionais. E um dos pilares para as boas relações humanas, em qualquer segmento, é o exercício da espiritualidade.

É justamente essa abordagem que o padre diocesano Romão Martins, da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, em Londrina, e o consultor de empresas e colunista da FOLHA, Wellington Moreira, trazem no livro "A arte de liderar na Igreja" (editora Santuário).

Lançado há menos de um mês, os mais de dois mil exemplares já se esgotaram nas livrarias católicas da cidade e nas vendas pela internet, e uma reimpressão está em andamento.

"A ideia é que o livro seja um suporte para as lideranças que estão nas igrejas, mas todos podem tirar proveito dele, pois muitos princípios valem para gestores em qualquer ambiente", comenta o padre Romão.

Associar a espiritualidade com a prática de liderança foi uma necessidade percebida na vivência diária dos autores, que destacam ser um tema pouco explorado e discutido na sociedade.

O pároco diz que na igreja, assim como em qualquer outra instituição, a fluidez do trabalho depende do bom desempenho do líder. "Temos em nossa paróquia, 250 pessoas que respondem por uma liderança e muitos não tem experiência fora, ou uma graduação e até mesmo materiais que possam auxiliá-las nessa atuação. Então o livro foi pensando também nesse público", conta.

A diferença entre a liderança em uma empresa e em uma instituição religiosa está na missão, pois segundo o especialista Wellington Moreira, o exercício é semelhante. "Hoje, muitas empresas estão buscando entender o trabalho de igrejas e outras organizações, pensando justamente em trazer um pouco de espiritualidade para dentro das companhias", afirma.

E essa busca é justificada pelo fato de que a sociedade de forma geral, está buscando um propósito maior para a vida. "Nessa busca, as pessoas têm se voltado muito para o lado espiritual, tentando encontrar respostas. E as empresas perceberam que não adianta simplesmente contratar as horas de trabalho das pessoas, mas é preciso engajá-las e isso só se consegue com um bom ambiente de trabalho", diz.

Moreira também conta que nos próximos anos, a "inteligência espiritual" vai ganhar força a exemplo do que já ocorre nos Estados Unidos.

RELIGIÃO

Os autores ressaltam que a espiritualidade não pode ser confundida com religião. "Religião funciona como uma fonte. Tem pessoas por exemplo, que encontram a espiritualidade na ecologia. O que importa é cultivá-la", sustenta.

Em um trecho do livro, os autores compartilham as palavras do monge beneditino Anselm Grün e do consultor empresarial Friedrich Assländer, onde "o que importa é a atitude espiritual a partir da qual nós agimos. A espiritualidade pode ser vista quando pessoas comuns realizam trabalhos inteiramente comuns de uma forma extraordinariamente incomum."

No dia a dia, Moreira cita que esse exercício nos dá a capacidade de olhar cada situação de forma mais ampla. "Quando se trabalha a espiritualidade, as empresas podem esperar que as pessoas apresentem mais virtudes, sem precisarem recorrer às regras a todo momento. Hoje, o comportamento ético, o ato de fazer a coisa certa está totalmente limitado ao regramento porque faltam virtudes", salienta.

No ano passado, de acordo com ele, 40% das empresas americanas promoveram treinamentos na tentativa de fazer com que os funcionários desacelerassem, ou seja, comecem a enxergar a vida de uma forma mais leve.

"Porque esse estado faz com que a criatividade flua, além de promover relações mais harmoniosas no trabalho, uma vez que a pessoa também tem mais habilidade para lidar com conflitos", aponta.

"Não é doutrinar, mas exercitar"

"A arte de liderar na Igreja" foi escrito pelo consultor de empresas, Wellington Moreira, e pelo padre Romão Martins
"A arte de liderar na Igreja" foi escrito pelo consultor de empresas, Wellington Moreira, e pelo padre Romão Martins | Foto: Fábio Alcover


O consultor de empresas Wellington Moreira comenta que praticar a espiritualidade no ambiente corporativo depende muito de quem está na direção. "Isso não flui de baixo para cima, mas vale reforçar que a ideia não é doutrinar, mas exercitar", completa.

Se o objetivo é não ter uma abordagem religiosa, Moreira comenta que a prática pode se dar por meio de uma história, um trecho de um filme ou livro, enfim, algo que leve cada pessoa a voltar para o seu centro.

Outro ponto importante, de acordo com ele, é não impor a presença das pessoas nesses momentos. Para o padre Romão, sempre haverá na equipe, pessoas com diferentes religiões e até quem é ateu.

"A gente nunca vai encontrar uma unanimidade e por isso, esse exercício pode até ser um desafio para os empresários, mas nada melhor que o tempo para dizer o valor daquilo que você faz", acrescenta.

Como sugestão, o pároco diz que esses momentos devem ter uma periodicidade, como por exemplo, contemplar datas comemorativas ao longo do ano. Na Evviva Londrina, empresa de móveis planejados de alto padrão, a espiritualidade faz parte do cotidiano há 9 anos, desde a fundação da loja.

A sociedade entre os casais Tatiana e José Martins e Ana Maria e Gino Marques, vai além de compartilhar a atuação profissional. Ambos acreditam que a espiritualidade é a base para a fluidez do negócio e das relações de trabalho.

"Toda quarta-feira, nós sócios nos reunimos antes de abrir a loja para fazer uma oração. Em seguida, fazemos uma reunião para tratar dos assuntos da empresa. Com os funcionários essa prática acontece toda sexta-feira, antes também de abrirmos as portas", conta Ana Maria Marques.

Ela diz que a equipe interna, formada por 15 pessoas, é livre para participar ou não da oração. "Partilhamos a palavra como cristãos, independente de religião. E o que me deixa muito feliz é que a adesão costuma ser total", diz.

Ainda de acordo com Marques, a prática é tida como um diferencial entre os funcionários e há um reflexo no cotidiano da loja. "Conseguimos estabelecer um vínculo de relacionamento que nos faz crescer juntos. E entre os sócios, observo uma maior capacidade de olhar o outro como ser humano, tendo uma tolerância maior com as particularidades de cada funcionário, o que impacta diretamente nos atendimentos aos clientes", conclui. (L.F.C.)