Imagem ilustrativa da imagem Mudar o mundo virou negócio
| Foto: Divulgação
"É uma empresa como outra qualquer, mas o objetivo principal não é o mesmo das empresas tradicionais, que é dar lucro para acionistas. O objetivo é dar lucro para a ampliação do impacto social", resume Nastássia Romanó



O sistema capitalista, ainda que pródigo na geração de riquezas, promove desigualdades sociais que culminam em altos índices de miséria, crises ambientais e enfraquecimento das relações sociais. Como resposta a isso, surgiram os negócios sociais, que se sustentam solucionando esses problemas. E num país com tantos problemas sociais como o Brasil, o que não falta é espaço nesse mercado.
Ter uma empresa rentável e que, ao mesmo tempo, ajude a criar um mundo melhor deixou de ser só um sonho para empreendedores engajados. Os negócios sociais, que associam lucro e autonomia financeira à busca de soluções para problemas da população de baixa renda, apesar de ainda engatinharem no Brasil, têm potencial para atrair grandes investimentos. "A meta do setor é atrair R$ 50 bilhões de investimento ao ano até 2020, só no Brasil", afirma a gestora da Yunus Negócios Sociais no Paraná, Nastássia Romanó.
A Yunus tem suas raízes entrelaçadas com a origem desse modelo de negócios. O economista Muhammad Yunus, fundador da empresa, criou na década de 1970 um banco em Bangladesh para emprestar pequenas quantias de dinheiro a mulheres artesãs que não tinham condições de ter acesso ao capital de grandes bancos e ficavam reféns de agiotas. Elas conseguiram quitar seus financiamentos e abrir novos negócios. Logo os primeiros empréstimos foram pagos, estimulando a economia local. A iniciativa rendeu a Yunus o apelido de "pai dos negócios sociais" e o Nobel da Paz de 2006.
Segundo Nastássia, negócios sociais são aqueles cujo foco é proporcionar impactos sociais positivos. "A Yunus trabalha com o conceito de que negócios sociais são aqueles desenhados para resolver problemas sociais, baseado nos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, que inclui a eliminação da pobreza e da fome, a promoção de uma vida saudável, acesso a água potável, entre outros", explica.
Com modelos de negócio que buscam intencionalmente atingir a população de baixa renda, essas empresas precisam de potencial para alcançar o grande número de pessoas que compõem a base da pirâmide social. Além disso, elas exigem um modelo de negócio robusto que garanta rentabilidade. Isso para não dependerem de doações e subsídios. "Negócios sociais não fazem filantropia, não são ONGs ou associações sem fins lucrativos. Dizemos que eles são o ‘setor dois e meio’, que usa o modelo de gestão do segundo setor com a finalidade do terceiro", conta Nastássia.
Dentre os princípios do negócio social, segundo Nastássia, estão o foco na solução de problemas que ameaçam as pessoas e a sociedade, a sustentabilidade econômica e o reinvestimento do lucro no próprio negócio. "É uma empresa como outra qualquer, mas o objetivo principal não é o mesmo das empresas tradicionais, que é dar lucro para acionistas. O objetivo é dar lucro para a ampliação do impacto social", acrescenta.
O perfil dos empresários sociais no Brasil, segundo Nastássia, é parecido com o do empreendedor de startup. "Esse tem sido o segmento de um público mais jovem, que tem uma mentalidade empreendedora, que quer transformar o País", explica. Mas, de acordo com Renan Costa Rego, gerente de aceleração da Artemísia - pioneira do segmento no Brasil -, tem crescido o número de pessoas mais maduras apostando no segmento. "Boa parte dos empresários sociais já tem uma experiência importante no mercado, já tiveram algum contato com as classes C, D e E." Segundo ele, 75% desses empreendedores são homens.

TECNOLOGIA MÉDICA
A empresa da neuro-engenheira curitibana Michele de Souza já desenvolvia tecnologias de reabilitação e acessibilidade para outras empresas. Em 2013, decidiu mudar o formato do negócio e direcioná-lo para outro público consumidor. "A Cycor tem o foco no barateamento e na popularização dessa tecnologia, para atender aquelas pessoas que não têm condições de adquirir o que existe hoje no mercado. Para outras empresas, agora só damos consultoria", detalha.
Por desenvolver as próprias tecnologias e produzi-las dentro da empresa, com equipe própria, Michele consegue reduzir os custos e, consequentemente, o valor do produto final. "Uma prótese de mão, por exemplo, que no mercado custa pelo menos R$ 9 mil, eu consigo vender por R$ 3,4 mil", garante a empresária. Com preços tão mais acessíveis, os produtos podem ser fornecidos pelo próprio Sistema Único de Saúde (SUS) ou adquiridos através do crédito acessibilidade.
Segundo ela, além de proporcionar mais qualidade de vida às pessoas de baixa renda, essas tecnologias permitem que elas voltem a ser economicamente ativas, dispensando assistência do governo, que pode direcionar esses recursos para outros problemas.