Refugiadas durante encontro no programa "Empoderando Refugiadas", da ONU, em São Paulo
Refugiadas durante encontro no programa "Empoderando Refugiadas", da ONU, em São Paulo | Foto: Fellipe Abreu/Pacto Global



Aos 33 anos, Valerie Dombasi deixou a República do Congo quando estava prestes a concluir a graduação em Secretariado Executivo. Ao chegar em São Paulo, em busca de trabalho, encontrou um acolhimento inesperado.

Valerie é atendida gratuitamente por um grupo de alunas, ex-alunas e professora do Isae/FGV – Escola de Negócios, de Curitiba, por meio do projeto de coaching gratuito para mulheres refugiadas.

A ação integra o programa institucional "Perspectivação" e resulta de uma parceria com a Rede Brasil do Pacto Global, Acnur (Agência da ONU para refugiados) e ONU Mulheres, que no início de março lançou a segunda edição do programa "Empoderando Refugiadas", em São Paulo.

Com sessões semanais via Skype, Valerie e outras participantes estão recebendo apoio para que possam se desenvolver pessoal e profissionalmente.

"O retorno para elas é o crescimento, entendendo, em princípio, suas possibilidades de atuação. Mas também trabalhamos crenças e valores culturais, pensando na autoestima", comenta a coach Viviane Borges, ex-aluna do Isae/FGV e voluntária no programa.

A ação envolve um total de 10 sessões, cada uma com duração média de 1 hora. Por enquanto, são atendidas mulheres que residem em São Paulo, vindas de regiões como a Síria, África Subsariana, Oriente Médio e América Latina.

Viviane conta que Valerie chegou com o desejo de trabalhar como secretária ou recepcionista, pois imaginava que no processo de adaptação no País dificilmente conseguiria um emprego de alto nível. E neste primeiro passo, Valerie já avançou. Ela acaba de ser contratada como recepcionista em uma rede hoteleira.

Esse é o resultado que todos os envolvidos no projeto "Empoderando Refugiadas" almejam. A ideia é propiciar conhecimento e informações às refugiadas sobre o mercado brasileiro e sensibilizar as empresas para contratação.

Transcultural
A coach e docente do Isae/FGV Daniela Leluddak explica que no coach transcultural o foco é auxiliar essas pessoas que estão chegando ao Brasil a mensurar seus potenciais e absorver as informações da cultura brasileira, agregando-as às suas bagagens cultural e profissional.

"O programa de coaching visa uma explanação um pouco maior delas próprias sobre a realidade que querem para si. Ele favorece o mapeamento de competências e habilidades para a pessoa atingir seus objetivos a curto, médio e longo prazo", sustenta.

Daniela conta que no projeto cada coach vem atendendo cerca de cinco mulheres. Entre elas, está Niclette Mikanda, de 26 anos. Ela também é da República do Congo e está em São Paulo há cerca de 10 meses.

Niclette veio para se unir à família que se instalou no País meses antes, em busca de trabalho. Ela é formada em Comunicação no país de origem, mas atualmente está trabalhando como auxiliar de serviços gerais.

"Essas mulheres podem ainda buscar cursos pela internet, acessar as universidades e participar de palestras e eventos. Tudo isso é válido para se inteirarem", salienta.

Apesar da experiência ser recente, Daniela ressalta que a iniciativa é pertinente para uma demanda como essa e que há a perspectiva de ampliar os atendimentos às mulheres de outras localidades.

'A maior dificuldade tem sido conseguir trabalho'
Em Londrina, muitos imigrantes na condição ou não de refugiados buscam o acolhimento na Cáritas Arquidiocesana, entidade de promoção e atuação social que trabalha na defesa dos direitos humanos.
"Apesar de não trabalharmos com encaminhamento profissional sempre há uma demanda nesse sentido, pois eles chegam aqui em busca de tudo", comenta a coordenadora de projetos na Cáritas em Londrina, Andréia Vilar.
A atuação da entidade é no auxílio da regularização de documentos, porém Andréia afirma que esporadicamente empresários os procuram ofertando vagas de emprego. "Aí, de acordo com nossas possibilidades, colocamos algumas pessoas em contato", diz.
A Irmã Maria de Fátima Pereira, da Pastoral do Migrante em Londrina, acrescenta ainda que ao contrário de anos anteriores, há agora um volume maior de mulheres vindo para o Brasil.
"A gente percebe que a maior dificuldade realmente tem sido conseguir trabalho. É claro que isso aumentou devido à crise que o País está passando, mas envolve outras questões também como o idioma, integração à cultura brasileira e até o preconceito", pontua.
A Irmã lembra que no ano passado um grupo de mulheres haitianas que estão em Londrina e região participou de um curso de camareira, promovido pela Pastoral em parceria com o Rotary Club e Sesi. "No entanto, muitas delas seguem desempregadas", completa.
Diante deste cenário, a Irmã Fátima ressalta que muitas mulheres têm buscado alternativas em outras localidades, o que dificulta ainda mais a obtenção de dados concretos sobre o número de imigrantes em Londrina e região. (M.O.)

Desemprego dificulta integração dos imigrantes
Para o imigrante, ter um emprego é muito importante para sua integração no País. Por isso, toda iniciativa que visa facilitar esse processo, principalmente com o ensino da língua, dos costumes e do acesso à legislação, é muito positiva.
Quem compartilha essa informação é a coordenadora do Observatório das Migrações de Londrina, Cláudia Siqueira Baltar, docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Ela estuda migrações em Londrina e região há quatro anos e por experiência diz que há uma angústia por parte deles na obtenção de emprego.
"Porque há pessoas que vêm sozinhas, que não têm uma rede bem estabelecida de vizinhança e familiares, e por isso, a questão do acesso ao trabalho é fundamental", afirma.
Ela, que tem um contato maior com haitianos, comenta que são indivíduos que têm formação, "estão querendo contribuir para o enriquecimento do País, querem pagar impostos, se inserir no mercado de trabalho e ser cidadãos participativos", aponta.
No entanto, Cláudia observa que nesse momento de alto desemprego, os migrantes são os primeiros a serem preteridos em uma escala de preferências.
"No Brasil não há uma espécie de mercado dual de trabalho, como nos Estados Unidos, por exemplo. Lá, muitas vagas de trabalho mais exaustivo acabam destinadas a esse público porque os nacionais não querem ocupá-las. Vale lembrar que no Brasil ainda temos uma migração interna significativa que acaba sendo empregada nessas ocupações menos atrativas", reflete. (M.O.)