O médico Gonçalo Rocha tem um carro blindado, mas pelo fato de o veículo ser grande, considera difícil circular com ele pela cidade. Por isso, resolveu comprar uma patinete elétrica modelo scooter. No começo, ele pensou nela só para ir ao trabalho, mas o veículo elétrico acabou se tornando a sua primeira opção de transporte, deixando o carro em segundo plano - para dias de chuva, por exemplo.

Paulo Henrique Ferreiro: “Não precisa ser maior de idade, não paga imposto, não precisa de carteira de motorista”
Paulo Henrique Ferreiro: “Não precisa ser maior de idade, não paga imposto, não precisa de carteira de motorista” | Foto: Ricardo Chicarelli

A vantagem está na praticidade. Como o veículo ocupa pouco espaço, não é necessário ficar horas procurando por uma vaga. E o preço do estacionamento para motos é mais baixo. A economia com combustível também veio de carona: como o carro de Rocha só usa gasolina aditivada, o custo com o combustível ao mês chegava a R$ 600. A scooter elétrica é carregada na tomada e cada carga completa consome cerca de R$ 1 de energia elétrica.

À medida que o trânsito fica mais obstruído, que a renda das pessoas fica mais comprometida para gastos no dia a dia e que a consciência das pessoas em relação à emissão de poluentes na atmosfera cresce, ganha espaço o mercado de veículos elétricos levíssimos, como as bicicletas, patinetes e skates elétricos. A maior parte dos produtos à venda no mercado brasileiro é importado da China, e enfrenta uma alta tributação. Mesmo assim, as vendas das patinetes elétricas portáteis cresce.

O médico Gonçalo Rocha trocou o carro blindado pela scooter elétrica no dia a dia
O médico Gonçalo Rocha trocou o carro blindado pela scooter elétrica no dia a dia | Foto: Ricardo Chicarelli

A popularidade desses produtos cresceu tanto que eles já podem ser encontrados até mesmo em shopping centers. Em um deles, o consumidor pode ver patinetes elétricas tipo scooters expostas em um quiosque. O veículo parece pequeno demais para ser uma moto, mas com rodas largas demais para ser uma patinete. Dois dos modelos vendidos pela empresa Watts, de Londrina, são feitos para oferecer mobilidade e estabilidade ao mesmo tempo, explica o diretor comercial Rodrigo Gomes.

A empresa, fundada pela esposa, aposta tanto na proposta dos produtos que quer instalar uma das primeiras montadoras de produtos elétricos voltados à mobilidade do Brasil em Londrina. A companhia está em fase de pesquisa de viabilidade, mas se as condições forem favoráveis por aqui, a cidade terá preferência no empreendimento, diz Gomes. Com a ajuda de representantes, Gomes diz que a Watts quer chegar a todas as cidades do Brasil com mais de 300 mil habitantes. Atualmente, tem um showroom apenas em São Paulo. “Acredito que seja um caminho sem volta a mobilidade elétrica, produtos sustentáveis, modais diferentes”, comenta Gomes.

As patinetes elétricas da marca fazem até 50 Km com apenas uma bateria de 20 amperes. Os modelos do veículo, importado da China, foram modificados diretamente com o fornecedor para que a bateria seja removível e o motorista possa carregá-la sem precisar deixar a scooter perto da tomada. Com uma potência de 1.500 W, elas chegam a atingir 60 Km/h de velocidade no modelo W2, que vem com uma bateria sobressalente. Gomes também lançaria, em breve um outro modelo de patinete elétrica menor, de até 350 W de potência, 40 Km de autonomia e velocidade máxima de 30 Km/h. Os preços dos modelos variam de R$ 5.890 a R$ 13.990.

Os veículos portáteis, que dobram e pesam até 10 Kg, são os mais procurados porque permitem o transporte intermodal, comenta Ricardo Ducco, diretor de Marketing da DropBoards. Ao chegar no metrô, por exemplo, o usuário não precisa se preocupar com um local onde deixar o meio de transporte. Basta levá-lo consigo dentro dos vagões. “O mais conhecido é o da marca Segway, fabricante líder mundial. Uma patinete que você usa remando, com o pé, só que tem um motor na frente”, comenta Ducco. Um dos modelos da marca custa R$ 3.900.

“As pessoas usam muito dentro dos condomínios e no litoral. Não precisa ser maior de idade, não paga imposto, não precisa de carteira de motorista”, observa Paulo Henrique Ferreiro, gerente de uma loja revendedora. “Como é bem portátil, dá para pôr no carro ou levar no trabalho. Em dois anos que você compra você tem o dinheiro de volta, custa menos de R$ 2 para carregar e faz 40 Km com a bateria cheia.”

Segundo Ricardo Ducco, da DropBoards, as vendas cresceram 50% do ano passado para cá. A proporção de consumidores que buscavam esse tipo de produto para lazer era de 50%. Hoje, a procura de produtos é quase em sua totalidade voltada à mobilidade urbana.

Folha de Londrina

Impostos impedem crescimento das vendas, diz entidade

A alta tributação sobre os veículos elétricos de pequeno porte impede que a venda desses produtos seja maior. Segundo Rui Almeida, diretor de Veículos Elétricos Levíssimos da ABVE (Associação Brasileira de Veículos Elétricos), no ano passado, foram vendidas mais de 10 mil bicicletas elétricas. “Só não é maior por causa dos preços. Se não tivesse a carga tributária que tem hoje, (o volume) seria maior”, critica.

Segundo o diretor, são 20% a 25% só de taxas de importação e 35% de IPI. A redução de IPI para veículos elétricos, explica, não atinge os levíssimos. “Outros produtos que têm esse tipo de taxação são produtos de luxo, e torna um produto extremamente acessível lá fora e caríssimo no Brasil. A ABVE vem lutando para que haja padronização, coerência na aplicação do imposto à categoria elétrica.”

Ricardo Ducco, da DropBoards, afirma que os impostos elevam em até 110% o valor dos produtos. “É um imposto sobre o outro”, lamenta. Por esse motivo, Ducco relata que a distribuidora sofre com concorrência dos patinetes contrabandeados, que chegam ao País de outros países sem pagar impostos e são vendidos direto ao consumidor por plataformas na internet, portanto, com preços muito mais baixos.

Meios de transporte ainda não são regulamentados

Segundo o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), a regulamentação de veículos elétricos de pequeno porte tem sido objeto de estudos pelo Departamento. Inclusive, no último dia 14, o órgão realizou em Brasília uma reunião consultiva que abordou os ciclomotores, as bicicletas motorizadas e similares. Na pauta do encontro, estavam a classificação dos tipos de veículos, registro e licenciamento, requisitos para habilitação e definições relativas à circulação, entre outros, diz o departamento.

Para Rui Almeida, da ABVE, não será preciso “inventar a roda” ao regulamentar esses veículos, já que alguns deles já possuem regulamentação implantada e em uso na Europa. A ideia é usar a legislação europeia como base, fazendo as devidas adaptações à realidade brasileira. Na Europa, a habilitação é exigida apenas no caso de veículos que não são assistidos por pedal, que têm motores a partir de 1.000 W de potência e atingem velocidades superiores a 25 Km/h. Estes também precisam de emplacamento. Até 4.000 W e 50 Km/h, porém, não é necessária uma carteira de motorista específica.

O objetivo da regulamentação não é restringir o uso, e sim definir regras para a condução segura desses equipamentos, como necessidade de habilitação, vias onde poderão circular, velocidade máxima permitida e equipamentos de segurança necessários, diz Almeida. “A regulamentação não significa proibir, e sim identificar, normatizar e classificar o veículo para que se saiba o que pode ou não fazer com ele. Para as pessoas saberem o que estão comprando e onde vão poder usar de forma segura e tranquila.”

“Nossa tendência era achar que deixar na zona cinza era mais confortável, mas é extremamente perigoso, porque se começa a ter um uso não adequado e sem meios de poder controlar a utilização”, continua o diretor da ABVE. Sem regulamentação, conforme observa o diretor, não há como punir condutores imprudentes.

Habilitação não é exigida para veículos de pequeno porte

Como os veículos elétricos de pequeno porte, como bicicletas, scooters, patinetes, skates e hoverboards ainda não estão definidos no CTB (Código de Trânsito Brasileiro), não é necessária habilitação para conduzi-los, esclareceu o Denatran.



“Importante ressaltar que o condutor de um dos referidos veículos deve se atentar às normas da Resolução nº 465, sobre os equipamentos obrigatórios para condução nas vias públicas abertas à circulação”, continua o órgão. A norma diz que é permitida a circulação destes veículos em áreas de circulação de pedestres, ciclovias e ciclofaixas, sempre respeitando a velocidade máxima determinada na resolução.



Conforme a Resolução, equipamentos de mobilidade individual autopropelidos podem circular em áreas de circulação de pedestres (limite de 6 Km/h), ciclovias e ciclofaixas (20 Km/h). Bicicletas com motor elétrico auxiliar podem circular apenas em ciclovias e ciclofaixas com velocidade máxima de 25 Km/h, desde que dotadas de sistema de que garanta o funcionamento do motor somente quando o condutor pedalar. Bicicletas com acelerador ou qualquer outro dispositivos de variação manual de potência não entram na regra.



Também é obrigatório pela resolução o uso de equipamentos como campainha, sinalização, espelhos retrovisores e capacete, entre outros. A norma também determina que caberá aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos municípios e do Distrito Federal regulamentar a circulação dos veículos.



O diretor de Educação no Trânsito da CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização de Londrina), Carlos Eduardo Ribeiro, observa que a Resolução nº 465 determina que os veículos de até 350 W de potência e que atingem até 25 Km/h são equiparados às bicicletas e, por isso, podem ser conduzidos sem a necessidade de habilitação. As regras para a circulação e para o uso de equipamento de segurança também são as mesmas das bicicletas. Acima desses limites, no entanto, é exigida a carteira de habilitação B ou ACC e o Detran exige o emplacamento.



Para Ricardo Ducco, da DropBoards, a exigência de emplacamento para veículos acima de 350 W de potência e velocidade de 25 Km/h circularem em vias públicas vai contra a tendência mundial, de incentivo ao meios de locomoção alternativos e menos poluentes. Dessa forma, os consumidores correm o risco de serem impedidos de andar na rua e ainda de terem seus veículos apreendidos. “É fundamental ter uma regulamentação para optar por mobilidade sem risco de ser impedido de circular e ter o veículo apreendido.”



Na visão de Rui Almeida, da ABVE, “o emplacamento tem que ser desmistificado”. Para ele, o emplacamento ajuda a identificar o veículo e a fazer com que os motoristas mantenham o comportamento adequado no trânsito. Para poder emplacar, o veículo também deve estar homologado no Denatran, o que assegura que ele é adequado e pode circular pelas vias.