Segundo a ONG Oxfam Brasil, "pessoas que ganham 320 salários mínimos mensais no País pagam alíquota efetiva de imposto similar à de quem ganha cinco salários mínimos mensais"
Segundo a ONG Oxfam Brasil, "pessoas que ganham 320 salários mínimos mensais no País pagam alíquota efetiva de imposto similar à de quem ganha cinco salários mínimos mensais" | Foto: Gustavo Carneiro



No Brasil, os seis maiores bilionários têm a mesma riqueza e patrimônio que os 100 milhões de brasileiros mais pobres. Caso o ritmo de inclusão no mercado de trabalho prossiga da forma como foi nos últimos 20 anos, as mulheres só terão os mesmos salários dos homens no ano de 2047, e apenas em 2086 haverá equiparação entre a renda média de negros e brancos.

Estas são algumas das principais conclusões do relatório "A distância que nos une, um retrato das desigualdades brasileiras", divulgado nesta segunda-feira, 25, pela ONG Oxfam Brasil. A organização, que trabalha no combate à pobreza e à desigualdade, resolveu publicar, pela primeira vez, um estudo em que investiga, com base em vários dados, as raízes e soluções para um País onde se distribui de forma desigual fatores como renda, riqueza e serviços essenciais.

Para a Oxfam Brasil, uma das razões que fazem o País estar na lista dos mais desiguais do mundo é a política tributária, que pune os mais pobres. "O combate às desigualdades passa pela revisão da forma com a qual o Estado arrecada e distribui recursos, da forma com a qual ele cuida das pessoas de hoje e prepara os cidadãos e cidadãs de amanhã", diz o relatório.

Sistemas justos de tributação da renda, de acordo com a ONG, se apoiam em uma lógica simples: "quem tem mais paga mais, quem tem menos, paga menos, e quem tem muito pouco não paga nada". No Brasil, ocorre o contrário. "Pessoas que ganham 320 salários mínimos mensais pagam uma alíquota efetiva de imposto (após descontos, deduções e isenções) similar à de quem ganha cinco salários mínimos mensais, e quatro vezes menor em comparação com declarantes de rendimentos mensais de 15 a 40 salários mínimos", diz a ONG.

O relatório lembra que, em 1996, donos ou acionistas de empresas deixaram de pagar impostos sobre os dividendos recebidos na distribuição de lucros das companhias. Isenção para esse "salário dos super-ricos", de acordo com a ONG, só existe no Brasil e na Estônia, dentre os países que formam a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e seus parceiros.

Citando dados da Receita Federal do ano passado, a Oxfam aponta que as pessoas com rendimentos mensais superiores a 80 salários mínimos (R$ 63 mil) têm isenção média de 66% de impostos, podendo chegar a 70% para rendimentos superiores a 320 salários mínimos mensais (R$ 252 mil). "Por outro lado, a isenção para a classe média (considerando as faixas de 3 a 20 salários mínimos – de R$ 2.364 a R$ 15.760) é de 17%, baixando para 9% no caso de quem ganha de 1 a 3 salários mínimos mensais (R$ 788 a R$ 2.364)".

Outro apontamento do relatório que ajudaria a justificar a desigualdade é a que a receita tributária do Brasil é focada na tributação do consumo (alimentação, medicamentos, vestuário, transporte, aluguel etc.), onerando "de maneira injusta os mais pobres, que gastam a maior parte de sua renda nestes itens." O imposto sobre a renda, tido como mais justo pela ONG, é responsável por apenas 25% da arrecadação.

Por causa disso, os 10% mais pobres no Brasil gastam 32% de sua renda em tributos (28% sobre produtos e serviços). Por outro lado, os 10% mais ricos gastam apenas 21% de sua renda em tributos, sendo 10% sobre produtos e serviços.

PATRIMÔNIO
Segundo a Oxfam, os países desenvolvidos focam mais seus impostos sobre patrimônio, taxando bastante as heranças. No Brasil, o imposto sobre herança representa apenas 0,6% da arrecadação nacional e, no Reino Unido, 40%.

Além disso, de acordo com o relatório, diversos tipos de patrimônio simplesmente não são tributados. "A posse de jatos, helicópteros, iates e lanchas não incorre no pagamento de nenhum tributo por seus proprietários, enquanto os veículos terrestres requerem pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)."

O documento ainda lembra que, apesar de previsto na Constituição de 1988, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) nunca foi criado.

Imagem ilustrativa da imagem Desigualdade sem tamanho



REFORMA TRIBUTÁRIA
Relator da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma tributária, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB) diz que a revisão dos tributos é a principal medida a ser tomada para reduzir a desigualdade no País. "Boa parte da concentração de renda se deve ao fato de a carga tributária estar´sobre o consumo, o que onera os mais pobres".

Na PEC, segundo ele, já consta um dispositivo que irá ajudar a tornar o Brasil menos injusto. "Tiramos toda a tributação sobre alimentos e medicamentos. Hipoteticamente, será possível reduzir em R$ 400 os gastos com esses dois itens das famílias com renda de R$ 2 mil", alega.

Numa segunda etapa, por meio de um "grande acordo", de acordo com ele, deverá ser feita a inversão do modelo atual, diminuindo os impostos que incidem sobre o consumo e as empresas, carregando de outro lado a renda e o patrimônio.(Com informações da Agência Brasil).

Na lanterna da educação
"A média brasileira de anos de estudo é de 7,8 anos, abaixo das médias latino-americanas, como as do Chile e Argentina (9,9 anos), Costa Rica (8,7 anos) e México (8,6 anos). É ainda mais distante da média de países desenvolvidos", indica o relatório da Oxfam Brasil, complementando que apenas 34,6% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em universidades, dos quais apenas 18% concluem o curso.

"Em geral, a juventude negra e pobre é a mais afetada pelas barreiras educacionais. Baixo número de anos de estudo, evasão escolar e dificuldade de acesso à universidade são problemas maiores para esses grupos, que, não por acaso, estão na base da pirâmide de renda brasileira", afirma.

Para a diretor da ONG, Katia Maia, a construção da sociedade brasileira é baseada em uma divisão entre cidadãos de "primeira e de segunda categoria". "Os números são muito fortes: 80% das pessoas negras ganham até dois salários mínimos, e estamos falando de 50% da população brasileira. A gente olha no nosso entorno e vê as bolhas de pessoas brancas, enquanto as negras são colocadas na periferia da cidade. É importante a gente debater e conversar sobre o racismo, mostrando que somos iguais. Esse deficit a gente tem de assumir, que somos país racista e enfrentar, buscar solucionar isso. É grave porque do jeito que estão colocados, os números falam por si, a gente quase não resolve isso nesse século", alerta.

Embora aponte uma "notável universalização do acesso à educação básica", o relatório pede cuidados para lidar com a evasão escolar, especialmente em séries mais adiantadas. No que diz respeito a outros serviços essenciais, apesar de elogiar uma "importante expansão" nos últimos anos, o documento coloca como desafio a ampliação do acesso de mulheres e negros ao sistema público de saúde.
(Folhapress)

Reforma deve ajudar, diz economista
Economista, professor da UTFPR e colunista da FOLHA, Marcos Rambalducci concorda com boa parte do relatório. "A tributação no Brasil é absolutamente inadequada. Os pobres e a classe média pagam a maior parte dos impostos, e as grandes fortunas ficam de lado", afirma. Ele acredita que uma reforma tributária ajudará o País a diminuir a distância entre os mais ricos e os mais pobres.

Rambalducci não concorda por exemplo quando o estudo diz que a reforma trabalhista, que começa a vigorar em novembro, contribuiu com o aumento da desigualdade social. "Discordo. Não vejo que haverá perdas de garantias de direitos. O Brasil precisava simplificar a legislação de modo a não onerar sobremaneira o empregador e criar empregos."

O economista também critica o relatório quando atribui à redução do Estado como outro fator a causar desigualdade. "Nos anos 80 o Estado era gigante e a distribuição de renda não era melhor."

Apresentando-se como "neoliberal", a professora Ana Maria Querubim, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), vê o relatório de forma bastante crítica. "A desigualdade é grande, não questiono isso. Mas não são as políticas sociais de governo que mudam essa realidade. Se fossem o caminho não teríamos essa situação depois de 12 anos fazendo essas políticas", diz ela referindo-se aos governos do PT. "A gente vê que as pessoas se acomodam (com programas de transferência de renda). Para que vão trabalhar se já têm renda garantida?."

Ela também não acredita que a reforma tributária vai resolver o problema. "Só se diminui a desigualdade com crescimento da economia, emprego e renda. Não adianta querer tirar do rico para dar ao pobre, que isso não funciona", alega. Para ela, o problema não é o pobre pagar muito imposto. É o Estado não dar a ele serviços de qualidade.

Sobre a diferença entre os salários de homens e mulheres, e de brancos e negros, Ana Maria diz que é preciso separar o que é discriminação e o que é vitimização. "A sociedade não está sabendo separar isso. Nós os quadradinhos temos de aceitar os outros e os outros não precisam nos aceitar", declara. (N.B.)