“Força é mudares de vida.” (Rainer Maria Rilke)

Imagem ilustrativa da imagem O encanto perdido da grande mídia
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Tempos atrás li o conto “Augusto”, de Hermann Hesse. Em vinte páginas, o escritor alemão narra história de um homem que tem o poder de se fazer amado por todos. À primeira vista, parece uma bênção; na realidade, torna-se uma terrível maldição. Amar sem ser amado é um dos sofrimentos da vida; porém, ser amado sem amar é muito mais doloroso. Isso porque o amor não-correspondido pode ser superado e substituído por outro amor; a incapacidade de amar, porém, permanece como uma ferida aberta no centro da alma.

Como se sabe, o primeiro a usar o título de “Augusto” foi Otávio, após sua vitória sobre Marco Antônio pela sucessão de Júlio César. O imperador romano, ao ser chamado de Augusto, passou a ser denominado por um termo que até então era destinado exclusivamente aos deuses. Augusto significa “sagrado”. Durante o reinado de Otávio Augusto, porém, aquele que era verdadeiramente sagrado nasceria não em um berço de ouro da Roma imperial, mas em um estábulo da pequena Belém.

No conto de Hesse, Augusto torna-se um homem rico e poderoso graças à sua capacidade de encantar a todos. Ele é maldoso, mentiroso, ardiloso e vil; mas, por sua beleza e charme, todos perdoavam suas faltas e se deixavam enganar. Até que um dia, durante um cruzeiro marítimo, Augusto se sente atraído por uma mulher de beleza ímpar. Ela é casada e fiel, mas isso jamais havia constituído um problema para Augusto, don-juan que já destruíra muitos casamentos e lares com seu poder sedutor. Abordada por Augusto, a mulher confessa que está apaixonada por ele, mas o rejeita em nome da fidelidade ao marido, um homem bom e confiável.

A partir dessa primeira rejeição, Augusto entra em uma profunda melancolia. Todas as suas conquistas parecem-lhe vazias e sem sentido; nada o interessa, nada o comove, nada vale mais nada para ele. Entra em desespero e está à beira do suicídio. No dia em que está prestes a beber um copo de veneno, Augusto recebe a visita de seu velho padrinho, dotado de poderes sobrenaturais, que lhe faz pela primeira vez sentir o verdadeiro amor pelas pessoas.

Quando Augusto começa a amar as pessoas, as pessoas o rejeitam. No seu amor por todos os indivíduos, mesmo os que parecem repugnantes, Augusto conhece as misérias, as enfermidades e as provações do gênero humano sobre a Terra. Como todos os grandes heróis da literatura e dos textos sagrados, desce aos infernos para conhecer a realidade; mergulha nas trevas para avistar a luz.

A extrema-imprensa e baixa cultura brasileira vivem hoje um processo análogo ao do personagem de Hermann Hesse. Durante muitos anos, as celebridades do eixo Rio-São Paulo eram incondicionalmente amadas pelo povo. Por mais que fizessem maldades e contassem mentiras, esses jornalistas e artistas acabavam sendo perdoados, afinal eram bonitos, bem-sucedidos e sofisticados. Mas agora o encanto acabou. Como não souberam corresponder ao amor que receberam — e o amor ao próximo começa com o amor à verdade —, a extrema-imprensa e a baixa cultura reagem com escárnio, indignação, arrogância, desprezo e ódio. Que Deus tenha piedade deles e de nós.

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