Dores do parto
Ainda que proclamada, até agora não temos República e o fato que mais nos aproximou dela é o que se dá agora com a Lava Jato e a audiência ontem de um ex-presidente, depois de tantas quedas de ministros, como um indiciado normal. Talvez, esse tom inusitado explique o ponto agudo de tudo o que se deu em Curitiba, inclusive o aparato beligerante com tanta polícia nas ruas.
Afinal, a lei, a que todos obriga, teve seu andamento normal quando se esperava conflito: aliás, o apelo do juiz Sérgio Moro para que os favoráveis à ação da Justiça não se manifestassem acabou acontecendo e a concentração deles perto do Museu Oscar Niemeyer, reduzidíssima, era inconfrontável com à dos favoráveis a Lula na praça Santos Andrade, já preparatória para o comício à noite que visaria faturar politicamente a mobilização havida, explorando vitimalismo e um imaginário martírio do seu maior líder e hoje esperança derradeira de salvar o histórico do maior partido de esquerda do Brasil, talvez, de toda América Latina.
O maior entrave cultural à República é o patrimonialismo, que tem raízes no período colonial, e permeia todo o ciclo que vem desde o mensalão e se consolida no petrolão. A parceria público-privada, entranhada nesses acontecimentos, vai além de aproximações caricatas como as do sítio de Atibaia e do tríplex do Guarujá e se espraia na sordidez do financiamento da atividade política em troca de superfaturamento para as empreiteiras, incluídas aí operações internacionais. Curitiba foi protagonista importante das "Diretas já" com o seu primeiro comício em nível nacional. Acabou derrotada com a desaprovação da emenda Dante de Oliveira das diretas, mas serviu de nutriente e vetor de acumulação de energia para a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Eram as dores do parto da democracia como agora podemos estar (e isso só os dias dirão) nas da República esperada e que até agora não veio. Oxalá, como em 1894, com o Cerco da Lapa e a contenção da marcha guerrilheira de Gumercindo Saraiva pelas forças legais, se vislumbre algo mais consolidado e nítido do ideal republicano.

Impostômetro
Há várias evidências que nos distanciam da República e uma delas é a brutalidade da carga tributária exposta no baixo retorno dos serviços públicos e na metástase da corrupção, o Impostômetro da Associação Comercial registrava ontem no início da tarde que haviam até aquele momento sacado neste ano R$ 800 bilhões de tributos do contribuinte.

Beligerância baixa
A Polícia Rodoviária Federal deteve e inspecionou nas principais rodovias nada menos de 118 ônibus e apenas um deles estava irregular com documentação incompleta. Ficou visível que ao menos entre os militantes convocados não havia indicadores de predisposição ofensiva.

PT ganhou
No confronto numérico de mobilizações, a esquerda levou a melhor. Ocorre que o outro lado é fracionado demais com seguidores do Bolsonaro e até de adeptos das reformas de Temer, o que lhe nega um mínimo de unidade e identidade. De outro, explorando o vitimalismo, contam com fator mobilizante de primeira ordem sem considerar o fato maior na mitologia de Lula, ainda líder nas pesquisas de intenções de votos presidenciais.

Ausência
Pelas redes sociais, o senador Requião justificou sua ausência nas mobilizações de ontem, explicando que não podia sair de Brasília porque era testemunha de um jornalista em processo judicial. Normalmente, ele está no polo oposto quando há problema com jornalista.

Crescimento industrial
Em que pese um recuo de 2,9% em março, a indústria paranaense cravou o quarto lugar no Brasil no primeiro trimestre com expansão de 4,6%. Fica atrás de Goiás (6,6%), Santa Catarina (5,2%) e Rio de Janeiro (4,8%), segundo levantamento do IBGE Tanto em escala nacional como local, as principais variações se deram em máquinas e equipamentos (65,7%) e veículos (21,7%), o que parece muito desde que se desconsidere que as áreas estavam praticamente zeradas.

Câmbio cromático
Curiosidade que não passou despercebida na audiência de ontem: a gravata de Lula era verde e amarela e a de Sérgio Moro vermelha. Trocaram de camisa, em gentileza, antes de começar o jogo para valer. Cortesia para ninguém botar defeito, recusa aberta ao conflito.

Folclore
Verdade seja dita: de tudo o que se viu ontem deu para perceber que na emulação política entre os favoráveis a Lula e o defensores da ordem, ainda que os agitos não tenham alcançado as dimensões esperadas, a vitória, em termos de movimentação e vibração, foi do acusado. Enquanto nada se sabia do que vinha ocorrendo na audiência, havia o informe de que no fim da tarde os advogados do ex-presidente dariam entrevista no restaurante Madalosso com a sua versão dos fatos e Lula iria consolidar suas vantagens no comício da praça da Universidade. Isso na esfera política, na do processo em si só se saberá bem depois e, certamente, com novas e mais estarrecedoras denúncias como vem acontecendo.