A retórica não salva
Embora ritualístico o suficiente para assegurar-lhe aura jurídica, o processo do impeachment joga com o mito da palavra como fator de convencimento tal como a empregam advogados do júri hoje abalados com a majestade da Lava Jato ou os pregadores religiosos dos pentecostais aos da tradição da reforma ou ainda nas artes de ouvir dos médicos, imposta pela anamnese, e a dos psicanalistas esperando que o paciente se solte e chegue à catarse. Direi uma só palavra, como refere a alusão mandamental, e minha alma será salva.
Nos episódios de ontem a figura dominante foi a da presidente afastada com um pronunciamento claro e consistente para negar as acusações que lhe fazem de traficância fiscal, ainda que insistindo na tese obscura do golpe parlamentar, aliás válido em processo de impeachment que é a resistência da maioria a maquiagens orçamentárias e ao que se chama de "conjunto da obra", o desmantelo geral da economia que teria chegado num ponto de clara irreversibilidade. A aritmética é o fundamento da democracia e num caso de impedimento ela se torna mais agressiva ao exigir um percentual elevado, para sua aceitação. Assim crescem as expectativas da acusada muito bem no discurso, mas com dificuldades no improviso. O fato é que a execução foi gestada lentamente e havia pouca ilusão de que algum elemento traumático alterasse a marcha dos acontecimentos.
Pensava-se ontem mais nos efeitos da derrubada no campo da política e com vista ao pleito de 2018, o rumo que tomaria o PT com nome novo e refundação indispensável e no julgamento que a população faria do ocorrido. Aos que insistem no simbolismo, bem ao gosto da esquerda genérica, de que há uma ameaça aos direitos sociais das maiorias com o golpe das elites, é algo que só valerá pela clara ratificação e não pela expectativa paranoica.
Óbvio que Michel Temer não tem histórico, envergadura, para o salvacionismo da moda que sua posse definitiva gerará. Não se cria estadista na noite para o dia e ele não tem nem a medida de um João Goulart que substituiu Jânio e muito menos a de João Café Filho, regra três de Getúlio Vargas. De outro lado, em que se pese aquela marca da tortura, Dilma está longe, muito longe, de representar Jânio, Getúlio e o próprio Lula que sucedeu. Exemplo maior de vice é o de quem menos se esperava Itamar Franco, dado a repentes nacionaleiros em cima das hidrelétricas mineiras, ocupadas pela polícia militar, e que agiu como estadista num dos melhores momentos de transição, aquele que nos daria o Plano Real, que estabilizaria o país na perspectiva fiscal e política.

E o recall?
Nossas instituições avançaram muito com a Carta de 1988, aquela que o PT não assinou, dentre eles o próprio Lula. Uma das novidades foi a da democracia direta algo tão próprio ao participativismo e assembleísmo do partido. Como se trata de uma possibilidade não definida que se insere no "vir a ser", isso é no fluxo dos acontecimentos, há instrumentos que a tornam possível no plano real como as leis de iniciativa popular (como a da Ficha Limpa e agora essa do endurecimento do Ministério Público) e a do referendo ou do plebiscito.
Uma das decorrências da democracia direta é justamente a possibilidade de fazer o recall como se faz com peças defeituosas de produtos industriais. E o caso de Dilma se assenta mais numa situação como essa, apesar da fartura de rituais e procedimentos. Claro que não dá para comparar o caso dela com o de Fernando Collor, mais traumático pelo tom rocambolesco, todavia expressando o modo de sentir das maiorias, posto que não se possa comparar a escala de corrupção de agora com a daqueles dias que esgarça o corpo da nacionalidade.

Um só candidato
Em pelo menos 14 cidades paranaenses haverá um só candidato a prefeito, sujeito portanto à unanimidade. Dentre elas uma de bom tamanho e de rico histórico a de Assis Chateaubriand, inspiração do estelionato que elegeu, pela vez primeira, Requião no caso Ferreirinha.

Exploração
Chio geral ontem com o aumento de 40% nos combustíveis. Enquanto em Londrina a Justiça admitiu tecnicamente a existência de cartel, conquanto não ratificada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em Curitiba jamais se questionou o caso por esse ângulo. O sindicato da categoria informa que os preços são ditados pela livre concorrência.

Abi condenado
Luiz Abi, o parente cada vez mais distante e remoto, foi condenado a 13 anos juntamente com mais sete pessoas em consequência da operação "Voldemort" que tratava do chuncho com oficinas mecânicas a serviço do governo. Se novas condenações ocorrerem nos casos da "Publicano" e da "Quadro Negro", nas quais se envolveram amigos muito próximos de Beto Richa, é certo que haverá o impacto político daí resultante, algo jamais ocorrido pelo menos com tal frequência em nossa história.

Folclore
No momento em que se especula sobre vices, temos uma história rica no Paraná: as de Pedro Viriato Parigot de Sousa, criador genuíno da Copel e que substituiu o renunciado Haroldo Leon Perez, que criou as condições excepcionais para Jaime Canet governar com austeridade e muita poupança; e a de José Hosken de Novaes, que substituiu Ney Braga e marcou sua atuação com nível de estadista e extremo desapego ao poder. Cansei de vê-lo levando às costas as compras do supermercado depois de dispensar a viatura oficial.